O romancista revela a identidade dos personagens principais de seu livro, lembrando que é da natureza deste tipo de obra estabelecer com o público um contrato ficcional de leitura.
Tudo é ficção
Em romances de história alternativa, como é o caso de A segunda pátria, mesmo os personagens históricos são seres altamente ficcionais e não devem ser confundidos com aqueles sobre os quais aprendemos coisas nos livros escolares.
Tudo atende a uma lógica interna desta modalidade narrativa, na qual o mundo proposto é de ordem onírica, funcionando como uma realidade em paralelo. Um dos personagens leva o meu nome, mas nada tem a ver comigo nem com meus antepassados.
Prevalece, nesta vertente romanesca, uma força centrífuga que altera completamente o estofo dos personagens que se referem (pelo nome) a pessoas reais.
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Personagens abrangentes
Os dois personagens principais, Adolpho e Hertha, são totalmente imaginários, criados a partir da condensação de características longamente elaboradas em nossa história. Funcionam, portanto, como arquétipos. Eu os inventei a partir de observação de muitos outros seres, reais e ficcionais, para que fossem abrangentes.
Identidade errada
Adolpho Ventura, um negro muito bonito e inteligente, nascendo entre alemães, é protegido de uma família ariana, estuda nas escolas germânicas, domina o idioma estrangeiro e se forma em engenharia no Rio de Janeiro. Poderíamos dizer que assume uma identidade social errada. Com o fortalecimento do nazismo no Sul do Brasil, para onde volta depois de formado, Ventura é obrigado a abandonar esta identidade emprestada e construir uma irmandade com os demais negros que estavam passando por perseguições.
Embora inventado, o personagem faz referência a negros que viviam no seio de uma cultura branca não só no período da Segunda Guerra – pensemos, por exemplo, no grande poeta Cruz e Sousa ou nos engenheiros Rebouças.
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Personagem catalisadora
A ex-nazista Herta funciona como o lado bom do ser humano. Criada em um ambiente nazista, vivendo uma escandalosa liberdade sexual, ela conhece a Alemanha de Hitler em 1935, recebe uma formação extremamente racista, mas vai aos poucos sabendo ler os seus sentimentos mais recônditos, não dando importância aos valores de seus pares. Ela usa o corpo para acolher aquele que representa o mal para os demais nazistas. Até ao ponto de viver apenas para o amado, perdendo o seu lugar naquela sociedade e se tornando uma encarnação da louca. No final, quando são os seus que sofrem com uma repressão ao nazismo, ela se condói por eles também. É uma espécie de personagem catalisadora de todos os fatos.
No lugar do outro
Para construir estes e outros personagens, o romancista busca sempre se colocar no lugar deles, imaginar como ele próprio seria naquelas circunstâncias, vivendo numa outra pele, pois é isso a literatura, o ato extremo de se colocar no lugar do outro, único antídoto para os preconceitos.
… pois é isso a literatura, o ato extremo de se colocar no lugar do outro, único antídoto para os preconceitos.
Uma feliz definição. Parabéns!