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Jennifer Egan e as impossibilidades

14 / fevereiro / 2014

 

Jennifer Egan

Por João Lourenço*

A fim de me conectar com o passado e me reencontrar, fui morar em uma ilha portuguesa. Lá, tive meu primeiro contato com Jennifer Egan. Por uma distante chamada telefônica, tinha apenas 40 minutos para dissecar sua obra, seus medos e anseios. Tudo estava contra mim naquela segunda nublada — o viva-voz estava com defeito, meu dente doendo pencas (sério!) e, para variar, o sono atrasadíssimo. Tive vontade de sair correndo, de inventar um cenário mirabolante. Poxa, passei um tempão querendo entrevistar essa mulher! Bad timing, pensei. Egan atendeu o telefone com uma voz ansiosa, como se fosse um amigo que estivesse ligando para contar suas aventuras de férias.

Apresentação daqui, de lá, vamos começar — mas ela me interrompeu. “Peraí, você é do Brasil mas está morando em uma ilha em Portugal? Como isso aconteceu?” Não sei se foi efeito dos comprimidos cavalares que estava tomando há mais de uma semana, mas entrei na dela e passei toda a fita. Quanto mais eu falava, mais ela perguntava. Olhando em retrospecto, acho que foi uma troca. E isso ajudou bastante, caso contrário não teríamos passado quase duas horas ao telefone. Ela é interessante e interessada. Falar com Egan é como ler seus livros: você fica com aquela sensação de querer mais, mais e mais! É como se ela estivesse ensinando tudo o que você precisava saber. A conversa aconteceu em 2012, antes da sua passagem memorável pela Flip. Ela estava tão animada para conhecer o Brasil. Pediu dicas de músicas, de lugares para ir e do que fazer com seus filhos. Quase dois anos depois, Jennifer Egan continua sob os holofotes. Ainda estamos em fevereiro, mas digo sem medo de errar, que 2014 é o ano dela. Além da edição brasileira de Olhe para mim, pega a listinha do que vem por aí: lançamento de seu primeiro livro histórico (pense em mulheres que construíam navios nos anos 30 e 40, em Nova York!), adaptação de A visita cruel do tempo para a televisão, contos novos na New Yorker e um simpósio dedicado a ela na Universidade de Cambridge.

Vivem me perguntando sobre o meu fascínio pela autora. Não é possível responder em uma frase sobre uma obra que ultrapassa a medida das absolutas necessidades. Jennifer Egan transita entre as barreiras da ficção e da realidade. Em constante movimento, ela muda de voz de um livro para o outro, dona de um ouvido absoluto para a musicalidade dos vocábulos, suas frases são construídas e orquestradas em ritmos que se alternam. Ao contrário da maioria de seus colegas contemporâneos, recusa-se a escrever sobre pessoas próximas e experiências pessoais. O desconhecido é seu combustível. “Vivemos nesse período de tantas distrações e opções. Minha reação como escritora sempre foi tentar escrever livros que fossem irresistíveis aos leitores. Nem sempre eu consigo, mas é preciso seduzi-los”, defende. Assim como Dickens, um de seus heróis, ela não julga seus personagens. Egan assume ser de outra época, o que faz com que ela seja mais real, mais parte do que acredito. Olha só, ela escreve de uma forma cega, só sabe o que vai acontecer depois de que está escrito – e tudo à mão.

Ao que se refere à estrutura narrativa, Olhe para mim não é o livro mais ousado da autora. Nele, Egan nos oferece vários níveis de percepções tomando forma ao mesmo tempo. Ela investiga temas como a impossibilidade da solidão e autoanálise. “Hoje, em nosso mundo hiperconectado, você nunca está totalmente sozinho. Mas, embora sintamos que estamos ligados a milhões de pessoas, essa não é uma conexão real, é apenas comunicativa. Não importa se estamos diante de celulares e computadores o tempo todo, vamos sempre estar sós, pelo menos em nossa consciência. Mas ninguém quer se sentir assim”, explica. Publicado originalmente em 2001, Olhe para mim incomoda com o barulho do tempo que passou. Os personagens do livro podem ser classificados como lembretes da importância de manter laços com as pessoas que já fomos. Existe sempre um fascínio pelo que não foi vivido, a nostalgia do que não se conheceu. E, pelo que se conheceu de verdade, só existem aqueles espaços vazios no álbum onde antes ficavam as fotografias. Egan ressalta que as promessas da infância voltam para nos aterrorizar quando menos esperamos. Algumas de suas  frases são como aquelas pérolas de Proust que você entende porque precisou ler 50 páginas para chegar àquele momento. Ao final, fiquei com a sensação de ainda não ter encontrado todas.

Jennifer Egan é concisa. Ela deixa para o leitor o trabalho de completar os fragmentos de sua narrativa. Ela não acumula minúcias, não conta por contar. Ela entende que hoje Tolstói escreveria Guerra e paz pelo Twitter — até porque Napoleão teria jogado uma bomba e destruído Moscou em cinco minutos. A imagem que me vem dela é essa, uma pessoa com um quê heroico, com certa vitalidade robusta. A literatura contemporânea deveria ser sempre assim — escrever mais com menos.

 

João Lourenço é jornalista, nascido no Paraná e criado em São Paulo. Passou pela redação da FFW MAG!, colaborou com a Harper’s Bazaar e com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Foi assistente de Stephen Todd, do Times e do Guardian. Já entrevistou todos os escritores que queria, menos a musa de todas as musas: Joan Didion. Ele também tentou estudar Literatura Francesa pelo simples prazer de ler e acreditar que iria passar todas as aulas discutindo Balzac. Sem data para retornar, agora está na Califórnia. Pretende estudar escrita criativa em Stanford. No tempo livre, troca figurinhas com seus vizinhos celebridades, Adam Johnson e Michael Chabon. E, assim como Lena Dunham, ele jura que é a voz dessa geração.

Comentários

4 Respostas para “Jennifer Egan e as impossibilidades

  1. Muito bom saber de tantas coisas…. Egan é realmente uma escritora de valiosa relevância. Muito bom que ela esteja com a Intrínseca. Ela e outros grandes autores maravilhosos…

  2. Adorei a matéria. Só tenho uma sugestão: pode mudar a fonte do site? Porque ela é tão pequena e não facilita em nada a leitura, principalmente pra quem, como eu, tem problemas de vista.

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