Pensamento engarrafado

Por Leticia Wierzchowski

10 / abril / 2014

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Eu morei há doze anos no Rio de Janeiro e lembro que circular pela cidade era fácil naquele tempo. Claro, havia alguns lugares-problema, os entroncamentos complicados, as avenidas vitais, os horários de pico ─ determinadas ruas e horários que uma pessoa de bom senso, podendo, deveria evitar. Hoje, o Rio de Janeiro é uma cidade que não anda, é o grande paradoxo da vida moderna. A cidade dividiu-se em duas, e o caminho que liga essas duas partes ─ o elevado do Joá e o túnel Zuzu Angel ─  é um sofrimento que redime qualquer pecador. O trânsito de Porto Alegre não é moleza, você pode mofar dentro do carro um bom tempo, ainda mais com as obras que paralisam a cidade, mas nada se compara ao Rio de Janeiro hoje. E existe cidade mais exuberante neste mundo? O Rio de Janeiro é como uma belíssima mulher com mau hálito ─ linda, tão linda, todos comentam a sua estonteante beleza, mas beijar a digníssima na boca todos os dias é que são elas.

Dias desses, um amigo publicou uma foto ótima no Instagram: no meio do trânsito absolutamente congestionado em São Conrado, na boca do túnel, estava o carrão do Roberto Carlos (era um desses conversíveis, um Mercedes, creio eu, branco e estalando de novo, e ali, escarrapachado no banco de couro alvíssimo, o Rei aguardava, como qualquer mortal, que o trânsito finalmente fluísse e ele pudesse chegar na sua casa, na Urca). Meu amigo (que, aliás, é gaúcho) deve ter se divertido bastante, pelo menos arranjou ocupação enquanto esperava a sua vez de cruzar o Zuzu Angel. Cada um se vira como pode, mas a Lucélia Santos, flagrada num ônibus na Zona Sul carioca, foi motivo de deboche nas redes sociais. E lá vem o paradoxo outra vez: desde quando usar transporte coletivo é um mico? O que está acontecendo conosco, o que pensamos de útil enquanto ficamos parados no congestionamento horas e horas do nosso dia? Alguma coisa tem que mudar, e urgentemente. Esperar que a mudança venha do poder público nem o mais tolo dos brasileiros espera. O carro, hoje em dia, tem que ser eletivo. Se todos quiserem fazer tudo de carro, ninguém fará mais nada. Afinal, gastar horas por dia parado no trânsito não inspira ninguém, nem mesmo o Roberto Carlos. Basta ver a sua recente produção musical.

Leticia Wierzchowski é autora de Sal, primeiro romance nacional publicado pela Intrínseca, e assina uma coluna aqui no Blog.

Nascida em Porto Alegre, Leticia estreou na literatura aos 26 anos e publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. Um de seus romances mais conhecidos é A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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Comentários

Uma resposta para “Pensamento engarrafado

  1. “O Rio de Janeiro é como uma belíssima mulher com mau hálito ─ linda, tão linda, todos comentam a sua estonteante beleza, mas beijar a digníssima na boca todos os dias é que são elas.” Nunca vi descrição para o Rio mais perfeita que essa, infelizmente é uma verdadeira realidade.

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