Duvido, logo existo

Por Leticia Wierzchowski

20 / junho / 2014

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Tem uma hora na vida em que parte das nossas certezas se transformam em dúvidas. Nesse momento, quase tudo aquilo no qual você acreditava parece ter a sua importância relativizada ─ outras vontades, outros sonhos, meros esporos invisíveis de futuros diversos parecem crescer dentro de você, passeando pela sua corrente sanguínea, pelos seus sonhos e pesadelos, pelos seus mais distraídos pensamentos.

Tem uma hora na vida para todo mundo. Aquela hora em que a própria vida cotidiana parece que ficou pequena, como uma roupa da estação passada é descartada do armário de uma criança porque não serve mais. É uma hora difícil, essa hora. Como são difíceis os partos, com o tanto de sangue e de mistério que eles guardam, com os seus perigos, as superstições, o medo, e o futuro cheio de novidades que eles trazem. É uma hora difícil ─  é preciso mexer-se do lugar, mudar a perspectiva, aventurar-se. É preciso fazer a bainha da nossa própria ansiedade, separar-se das velhas certezas e assumir a dúvida como guia.

Algumas boas certezas são fundamentais nesta vida, essas certezas são como o alicerce sobre o qual nós erguemos a nossa existência. Mas a dúvida tem que estar em algum lugar, latente sempre, atenta ao presente e ao futuro, duvidando sempre como um desses cães de guarda que passam a madrugada latindo no portão. Tem um ditado que diz: “A chave da sabedoria é a dúvida.” Segundo meu médico pessoal, é duvidando que a gente vai adiante.

Muitos artistas fizeram da dúvida o ponto de partida da sua arte. Como Van Gogh, Robert Maplethorpe, Bispo do Rosário e uma lista eclética de nomes de todos os tempos e lugares. Muitos autores escreveram belíssimos romances sobre a caminhada pessoal que a dúvida inaugura, como Somerset Maugham em O fio da navalha e o japonês Kenzaburo Oe ─ cuja dúvida e superação pessoal se materializaram na figura de um filho excepcional ─  com o seu inesquecível Jovens de um novo tempo, despertai ─ duas das grandes leituras da minha vida.

LETICIA WIERZCHOWSKI é autora de Sal, primeiro romance nacional publicado pela Intrínseca, e assina uma coluna aqui no Blog.

Nascida em Porto Alegre, Leticia estreou na literatura aos 26 anos e publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. Um de seus romances mais conhecidos é A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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