Com um atraso de muitos anos, estou assistindo à série Lost com meu filho adolescente. Sempre que dá, lá estamos nós acompanhando as peripécias dos sobreviventes do voo 815 da Oceanic. Neste momento, a misteriosa ilha de Lost trocou de lugar, e os personagens vêm sofrendo pulos temporais, indo e voltando no tempo da ilha.
Parece estranho, mas a vida é mais ou menos assim: cada um de nós, nesta existência, está numa parte do caminho, em um tempo em que o outro já passou, ou ainda não alcançou. Fiquei pensando nisso na última noite, enquanto um casamento se desenrolava com toda pompa e circunstância no clube lindeiro ao apartamento onde moro: lá estava a noiva entrando pelo caminho iluminado em meio às árvores (posso ver tudo da janela e sou uma janeleira convicta.). Vendo a noiva, pude voltar no meu próprio tempo e, por um instante, revi o meu casamento, quinze anos atrás, e senti aquela emoção, aquela nervosa euforia.
Provavelmente, eu não vou casar outra vez. Mesmo que a vida dê a mais inesperada das reviravoltas, não entrarei novamente de branco num lugar cheio de amigos com um buquê de rosas e o coração leve como naquele setembro quando casei com o meu marido — nunca mais serei como naquela noite, aos vinte e sete anos. Aos quarenta e dois anos, eu não vou mais ter filhos — tive dois, a luz da minha vida —, mas o meu ventre não vai mais acolher nenhuma semente, e o meu peito não alimentará mais ninguém.
Eu não vou fazer muitas das coisas que já fiz, o meu tempo para elas se acabou. Farei outras tantas. Outros caminhos hão de se estender à minha frente, novas experiências me aguardam adiante no tempo à frente dessa estrada, para além dessa noite de junho quente e estrelada no Rio de Janeiro. Da janela, vejo os noivos no altar e sinto saudade daqueles anos que já ficaram para trás, daquela Leticia que eu fui e que já não sou mais, como outras tantas Leticias que se foram perdendo pelo caminho.
A ilha maluca que nos rege é a nossa própria vida, a vida incerta e cheia de surpresas, de súbitas mudanças e de transformações perenes. Lá fora, no clube, os noivos trocaram as alianças, e a orquestra ataca com uma música romântica. Pelo colorido movimento dos vestidos sob os holofotes, suponho que os convivas estão felicitando o novo casal. A noiva que caminhou pelo tapete vermelho há pouco já não é mais a mesma de antes do sim. Estamos todos mudando constantamente nesta viagem pelo tempo da nossa própria vida.
LETICIA WIERZCHOWSKI é autora de Sal, primeiro romance nacional publicado pela Intrínseca, e assina uma coluna aqui no Blog.
Nascida em Porto Alegre, Leticia estreou na literatura aos 26 anos e publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. Um de seus romances mais conhecidos é A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Muito lindo este texto. Li em voz alta para minha mãe e ela amou!
Leticia, você emociona sempre! Que texto lindo! E que você faça muitas e muitas e muitas coisas mais, ainda!