À beira do abismo

Por Leticia Wierzchowski

13 / março / 2015

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Nas minhas oficinas de escrita ficcional — aventura nova na qual embarquei e que tem me trazido momentos muito interessantes —, tenho abordado o arco narrativo de cada personagem como um dos ganchos fundamentais do enredo, pois é o entrelaçamento de arcos narrativos, de dramas pessoais, que cria a teia do romance.

A vida real é parecida — estamos construindo o nosso arco narrativo dia a dia, pois tudo são histórias, e a nossa própria vida é também uma história. Subimos e descemos as marolas dos dias, e às vezes uma vaga nos derruba e nos joga para o fundo mais fundo do abismo. Ninguém escapa de problemas, de perdas e de dores.

A escritora americana Joyce Carol Oates escreveu um longo livro sobre as memórias da sua viuvez — ela, que viveu quarenta anos com o mesmo homem, cuja morte repentina a jogou num desespero que perdura por quase quinhentas páginas de uma pungente narrativa. A morte do marido, o editor Raymond Smith, abala a estrutura emocional de Oates — por meses, ela mergulha numa espiral de antidepressivos, noites de insônia e falta de motivação. A dor foi tamanha que ela escreveu A história de uma viúva. Um livro triste e impressionante — Joyce se despe de todas as suas máscaras, expondo-se ao leitor até o âmago mais profundo da sua dor. Li e chorei em vários momentos — as perdas nos assolam a todos, a vida às vezes se joga sobre nós com as suas garras afiadas.

Com ou sem avisos, sempre dói — e muito. Mas, como Joyce escreveu, citando Nietzsche: “Se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você”. O abismo olhou fundo dentro dela, e Joyce Carol Oates escreveu para se salvar. Alguns correm, outros viajam, outros pintam, e há aqueles que escrevem.  Um belo testemunho sobre a dor e sobre a longa estrada da superação pessoal.

 

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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