Navegue a lágrima: a casa como alma

Por Leticia Wierzchowski

1 / maio / 2015

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“Casa com girassóis”, de Vincent van Gogh (1887)

Todos os meus romances têm uma casa — isso talvez se explique pelo fato de que iniciei a vida adulta com um pé na Faculdade de Arquitetura da UFRGS. Acontece que fiquei lá pouco tempo, saindo com a certeza de que queria usar a minha criatividade de outro jeito. Acabei aqui, escrevendo romances. Romances com uma casa fundamental. Uma casa como um ninho, uma casa como um sortilégio, como um palco ou um altar. Tenho, de fato, uma fixação por casas — não por suas salas, janelas, corredores e varandas, mas pelo que elas guardam de impalpável, pelo que elas significam na vida dos seus habitantes. A casa como alma: gosto muito disso.

capablogEm Navegue a lágrima, a ex-editora Heloísa decide partir de São Paulo para viver numa península uruguaia, na casa que pertenceu à família Berman, gente que ela conheceu de longe, dos tempos em que trabalhou no mercado editorial. E, anos depois de a família ter deixado a casa de tantos verões e felicidades, lá estão novamente os Berman, para o espanto de Heloísa — onipresentes, vívidos e tão humanos que nunca saberemos se o que a editora vê entre aquelas paredes é sonho, delírio ou uma curiosa e inexplicável intersecção temporal.

Após o divórcio, os Berman partiram de sua casa de verão; mas, de certa forma, permanecerão lá para sempre no que de mais belo foram. Ou Heloísa está vendo coisas, imersa na sua solidão de viúva? Uma casa guarda o amor como um estojo de jóias guarda a sua esmeralda mesmo depois que ela desapareceu?

Eu não quero responder a essas perguntas — acho que a função do romance é levantar questionamentos mais do que respondê-los. Quando me perguntam das minhas certezas, respondo que sigo de dúvida em dúvida. E, de dúvidas, também construo a minha ficção. De dúvidas, ergo paredes e casas inesquecíveis. De dúvidas é que desenho gentes; com os dedos da dúvida, toco fundo na dor e abraço impensáveis e fugazes alegrias. E vou vivendo assim — de dúvidas e de palavras. E, por que não?, de lágrimas.

link-externoLeia também: Leticia Wierzchowski Navegue a lágrima

 

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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Comentários

2 Respostas para “Navegue a lágrima: a casa como alma

  1. Amo as obras da Leticia.,excelente escritors. O RS tem muita gente competente. Com certeza vou ler esta obra.

  2. Que minha coragem seja maior que meu medo e que minha força seja tão grande quanto minha fé.

    Dica do dia: Faça o melhor que puder. Seja o melhor que puder. O resultado virá na mesma proporção de seu esforço.

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