Uma história sobre o tempo e as suas pegadas

Por Leticia Wierzchowski

29 / maio / 2015

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Em Navegue a lágrima, a editora Heloísa vai viver na casa que pertenceu à família Berman. De maneira inexplicável, ela passa a acompanhar a trajetória dos quatro ex-moradores — o que eles viveram e sentiram dentre aquelas paredes parece se repetir diante dos olhos incrédulos de Heloísa; e então ela decide desvendar a história dos Berman, seus hóspedes imaginários. Para isso, sai em busca das peças que faltam para montar o quebra-cabeças daquelas vidas.

Desde que comecei a escrever minhas primeiras histórias, o fio que mais me fascina é o tempo — costurar narrativas com o fio do tempo é uma dádiva dada aos ficcionistas. Na maioria das vezes, nós, seres humanos, observamos a passagem do tempo e as suas transformações sem nunca chegarmos ao final da história: partimos num dado ponto, e as narrativas simplesmente seguem alheias à nossa ausência.

Na ficção, as coisas não sucedem dessa forma. Podemos escolher um arco temporal, desfiando personagens e acontecimentos até erguermos o nosso panorama completo. É uma honra e também um aprendizado: escrever nos dá a ilusão de eternidade, mas nos ensina a paciência.

Irokô, ou Tempo, é um orixá muito antigo. Irokô foi a primeira árvore plantada, e foi por ela que os outros orixás desceram à Terra. Em todas as reuniões de orixás, Irokô está presente, calado, anotando as decisões que hão de implicar na sua ação eterna, pois toda a criação está sob seus desígnios. Irokô governa o tempo, controlando para que o karma de cada um de nós seja cumprido. Ele determina o início e o fim de tudo o que há.

Quando eu escrevo, me sinto um pouco árvore, um pouco tempo, um pouco Irokô. O tempo, afinal, é o grande transformador dos enredos desta vida. Assim como Heloísa necessitou de quinze anos para finalmente compreender a força e a beleza da história dos Berman (usando esse tempo para curar as suas próprias feridas), todos nós precisamos deixar que o tempo faça o seu trabalho. Nada é para ontem nesta vida, nada que realmente tenha alguma importância.

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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Comentários

Uma resposta para “Uma história sobre o tempo e as suas pegadas

  1. Adoro você Bebela! Admiro muito seu talento e o seu trabalho! Sucesso sempre pra vc! E beijos da sua fãzinha, Mari.

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