testeA maldade que se prolifera pelo Facebook

Three-Wise-Monkeys-in-the-Internet-AgeThe New Yorker

“A natureza do homem é má; o que há de bom em nós é artificial”, já dizia a máxima chinesa, tradicionalmente atribuída ao filósofo confucionista Xunzi, que viveu no século III a.C. Ao olhar o estado atual das mais modernas redes sociais — o Facebook, o Instagram, o Twitter, o YouTube e o WhatsApp —, tal constatação se prova viva e forte. O mal parece pulsar nesses ambientes virtuais, como evidencia a repercussão de algumas trágicas notícias recentes. Vide o caso do tão falado — e com justiça, pois a ação de repúdio tem de ser colossal nesta era digital — estupro coletivo sofrido por uma adolescente no Rio de Janeiro, que fica para a história como exemplo indiscutível da crueldade humana.

Houve, sim, comoção em torno dele. Contudo, isso também foi acompanhado de memes, piadas, comentários machistas… Uma das tiradas preconceituosas, por exemplo, surgiu de uma imagem que se tornou viral: a fotografia da jovem munida de um fuzil, no ambiente do quadro “Se vira nos 30”, do Domingão do Faustão.

À época do ocorrido, ainda pipocavam nas timelines comentários daqueles “opinadores” de Facebook — que nada sabem, nada leem, mas que acreditam ter a opinião certeira sobre tudo — tentando culpar a vítima pela violência que ela mesma sofreu. Ela teria sido alvo pelo jeito que se veste, por querer dançar de madrugada numa festa, por curtir umas drogas e por aí vai.

Acho inusitado, no mínimo, o fato de que muitos que comentaram, que conheço de outros carnavais, já usaram suas doses ou ainda abusam delas. Mesmo assim, julgam a garota, menor de idade, pouco instruída, de origem pobre, como culpada. Quanta hipocrisia!

Mais uma vez: reflexo da maldade humana. Nada mais. Qualquer outro blá-blá-blá para justificar tais atitudes não passa de desculpa, é do mal.

O lado mais sujo do ser humano se espalha pela internet. Basta ver a forma como terroristas abusam de redes sociais e apps. de mensagens, como o WhatsApp e o Telegram, para divulgar seus pensamentos insanos e garimpar voluntários a homem bomba, atiradores suicidas, soldados de uma visão deturbada da religião — recentemente, escrevi este texto sobre isso.

Frente ao maior massacre executado por um atirador nos Estados Unidos, no último dia 12, a uma boate LGBT em Orlando, o presidente Barack Obama abordou o perigo do mal na internet: “Um dos maiores desafios que temos à frente é esse tipo de propaganda e de perversões do Islã que você vê gerado pela internet […] que motiva indivíduos a tomar ações contra outras pessoas.”

Na reação ao atentado, a maldade provou sua força novamente na timeline do Facebook. O discurso de ódio proliferou, condenando as vítimas, que teriam “pedido” — seguindo o raciocínio deturpado dos vis — para serem assassinadas por terem uma orientação sexual que irrita a muitos. Calma aí! Essa lógica não faz o menor sentido. Sim, não faz para mim nem para os mais sensatos. Contudo, a maldade exibiu mais uma vez seu dom de condenar a vítima, ao invés do algoz. De quebra, ainda exibiu seu preconceito, peça elementar da maldade, ao condenar ao paredão aqueles que gostam de aproveitar os prazeres da vida de forma distinta da maioria. Afinal, por que se irritar com a atitude do outro, que em nada afeta sua vida, amigo?

Para mim, só os que não conseguem controlar o próprio lado vil — sobretudo na intimidade — acabam por reprovar prazeres e comportamentos totalmente saudáveis do outro. É a figura do lobo mau se incomodando com a felicidade dos porquinhos, da Chapeuzinho Vermelho, e querendo se alimentar de todos.

Colegas que denunciaram ao Facebook os perfis que espalhavam essas atitudes raivosas, preconceituosas e homofóbicas relataram que não houve retorno do site, que parece não ver problema nesses posicionamentos e, portanto, se recusa a derrubar posts ou perfis relacionados ao discurso de ódio.

No mundo virtual, tudo indica que já não assombra deparar com casos noticiados de pedofilia, vazamentos de fotos privadas de mulheres nuas, traficantes de drogas e armas que utilizam sites e apps. populares para seus atos ilícitos (confira aqui um texto sobre isso). Por que nos espantaríamos? Afinal, como escreveu Shakespeare em sua peça A tempestade: “O inferno está vazio e todos os demônios estão aqui.” Por que nos assustaríamos com a natureza vil do homem, se ela sempre existiu? Mesmo quando escancarada no Facebook, ela não nos choca mais. Mesmo quando exposta por um amiguinho no Instagram, parece se inserir no contexto do “mas o mundo é assim, cara”. Mesmo quando chega via WhatsApp, é tratada só como uma coisa qualquer.

Não me engano: também tenho o mal (inclusive, o virtual) dentro de mim. Concordo com Xunzi: isso é “natural”. Porém, nesse ponto, prefiro construir melhor meu lado “artificial” e desviar do restante. No fim, há muito que o homem deixou de ser apenas um ser natural.

 

Querem saber mais de meu trabalho? Convido-os a me seguir no Facebook (@fvilicic) e no Twitter (@FilipeVilicic).

testeS., de J.J. Abrams, está de volta às livrarias

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Com a primeira edição esgotada em apenas 3 meses, o quebra-cabeça literário de J.J. Abrams e Doug Dorst está de volta às livrarias.

Lançado em 2013, nos Estados Unidos, S. foi publicado pela Intrínseca em novembro de 2015 após dois anos de trabalho de uma equipe formada por cerca de 15 pessoas. Além da complexidade na adaptação e na tradução da narrativa repleta de códigos e pistas escondidas, a produção gráfica de S. também foi desafiadora. Para quem ainda não teve o privilégio de ver a obra, trata-se de uma caixa recheada de mistérios. Ao abrir o lacre, o leitor se depara com um exemplar do romance O navio de Teseu coberto pelas marcas do tempo e anotações nas margens. Escondidas entre suas páginas, cartas, fotos, postais, guardanapos e outros anexos escritos à mão.

Para a gerente editorial da Intrínseca Danielle Machado, a recepção surpreendente do público brasileiro lembra o encanto experimentado pela equipe durante todo o processo. O projeto foi adquirido pela editora em 2011 quando ainda se sabia muito pouco sobre os planos mirabolantes de J.J. Abrams. Com o passar dos anos, amostras foram chegando na editora e, a cada nova pista, geraram mais expectativas e receios.

“Quando recebemos a edição estrangeira de S. ficamos deslumbrados — é um livro lindo! Foi um desafio traçar quais seriam as etapas para a produção”, relembra Danielle. “Fizemos uma tiragem audaciosa e conseguimos chegar a um preço competitivo, mas não esperávamos que o título se esgotasse tão rápido!”

Para entender um pouco mais sobre a minuciosa produção de S. confira a entrevista com Antonio Rhoden, o designer que adaptou o conteúdo original manuscrito para a edição nacional.

testeIemanjá disse não

Vista do Arpoador

Vista do Arpoador, de Rafael Mussel

O ano-novo começara havia seis minutos quando os aparelhos apitaram e os batimentos cardíacos do meu melhor amigo viraram traço. Inerte, mas ainda com os olhos abertos, ele não largou minha mão ao partir. Tive de fazer força para me soltar e, com cuidado, mover suas pálpebras e esconder sua expressão de medo e espanto.

Selma não aguentaria. Essa mulher envelhecera tanto nos últimos dois anos que parecia ter ficado vazia, oca. Seu rosto fora puxado em várias direções pelo sofrimento. Ela agora lembrava uma pintura expressionista ou uma instalação abstrata. Eu precisava manter a calma, organizar tudo.

Enfrentei, no centro funerário, o calor do primeiro dia do ano. Um homem queimara cem por cento do corpo com fogos de artifício, outro morrera atropelado, a adolescente não sobrevivera à primeira experiência com drogas pesadas. E, sim, o velho que estava em coma havia anos resolvera desistir do mundo no mais inconveniente dos momentos.

Tínhamos pressa, Selma e eu. Olavo se tornara radioativo, as pintas de dálmata em seu corpo não eram nada adoráveis. Dava até para entender o receio dos enfermeiros. Ele virara um esqueleto humano cujo suor exalava cheiro de carne podre. Só amando muito para aguentar. Quando vi meu reflexo no espelho, percebi que também perdera peso, meu cabelo estava enorme. Parecia um palhaço faminto.

Foi preciso pagar um extra para que o colocassem no saco preto, como lixo tóxico. Selma perguntou se era mesmo necessário, queria ainda vê-lo, despedir-se mais uma vez. Não, era melhor fazer isso agora — não sei como reuni coragem para dizer essas coisas a ela. O último adeus da mãe, zíper fechado.

Embalado no saco preto, dentro do caixão, a sete palmos embaixo da terra. Cemitério central, enterro às duas e meia da tarde de 1o de janeiro. Pouca gente compareceu. Tavinho era quase tão temido quanto as crianças radioativas de Chernobyl. Ninguém queria chegar perto. O medo é o maior inimigo da compaixão.

Exigi do médico pílulas para pôr Selma para dormir. Levei-a para casa, a receita dizia uma pílula para induzir oito horas de sono. Dei-lhe logo três. Ela bem que podia perder uns dias dormindo. Vasculhei o resto da casa, tirei todos os medicamentos e levei comigo o frasco que trouxera. Só depois me dei conta de que havia deixado facas afiadas na cozinha. Além disso, se ela quisesse acabar com a própria vida, poderia simplesmente se atirar da janela.

Voltei para casa de ônibus, não tinha como pagar táxi. A praia estava suja, Iemanjá devolvera todos os presentes vagabundos que lhe deram na noite anterior. Os garis já haviam revirado a areia, mas tudo ainda fedia a perfume barato e mijo.

Era fim de tarde, o tempo estava fechado, chuviscava e o Arpoador estava quase vazio. Então me joguei das pedras direto na água, algo que sempre quisera fazer. Ao perder o medo de morrer, a gente ganha coragem para tudo. Não nadei, não tentei boiar, entreguei-me como uma oferenda atrasada.

Queria virar uma pedra pequenina, perdida no fundo do mar. Mas as ondas me jogaram, em uma questão de segundos, de volta à praia. Eu pertencia à mesma categoria dos vidros de alfazema e das palmas murchas. Iemanjá também me cuspira.

Não era hora, como Tavinho bem me avisara. Uns dias atrás, naquele meio do caminho de vida e morte em que ele se encontrava, havia reunido forças para, olhando nos meus olhos, proferir uma sentença. O tipo de verdade que só os moribundos são capazes de captar:

— Você vai morrer quando for um homem velho. Muito velho.

testeMac Barnett, um dos autores de Os Dois Terríveis, está confirmado na Bienal de SP

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Os pequenos leitores também têm motivos para comemorar as atrações confirmadas na 24ª Bienal de São Paulo. Mac Barnett, um dos autores de Os Dois Terríveis, participará do evento no dia 1º de setembro. Pela primeira vez no Brasil, Mac estará na Arena Cultural para falar sobre a série escrita em parceria com Jory John e ilustrada por Kevin Cornell.

Os Dois Terríveis foi publicado em 2015 pela Intrínseca e conta a divertida história de Miles, o garoto mais terrível da escola em que estudava. Ele teve que se mudar para a entediante cidade de Vale do Bocejo, conhecida por ter muitas vacas. Só que o lugar já tem um rei das travessuras e, para roubar o posto, Miles terá que se superar.

Em agosto, a Intrínseca publicará o segundo volume da série, Os Dois Terríveis ainda piores.

As autoras Becky Albertalli e Isabela Freitas também já estão confirmadas na programação do evento.

testeDesconfio das noites quentes

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Desconfio de todas as noites que chegam quentes.

“As noites não nasceram para ser quentes!”, reclama meu desejo de cobertor.

Sou dessas pessoas que não vivem sem cobertor. Aninho-me feliz num alento macio, uma coisa de querer proteção. Especialmente quando anoitece. E cobertor precisa de frio. Será isso fraqueza?

Mas hei de reconhecer também que as noites quentes têm a sua beleza. Um tal charme desinteressado, suas blusinhas de alça, as sandálias rasteiras e um jeito preguiçoso de caminhar na beira do cais, como quem não tem medo nenhum do vento.

Desconfio de quem não teme a ventania.
A da beira do cais, melada de maresia, descabela qualquer dedicação em manter os fios em ordem.
Desconfio. Mas também faço confissões, cada vez mais raras. E caras.

Lá vai uma:
no final das contas, já tive milhares de noites quentes.
Quentes e claras.

Algumas tão claras, acordadas e despertas que se confundiam com o dia. Nelas tive certeza de que a hora de a lua nascer, crescer e virar moça já havia passado — e muito. Mas era puro engano, tolice — o dia estava era longe de chegar.

Era a mais alta noite quem estava. A experiência criou em mim intimidade e hoje sei bem. A noite fala num tom de voz bastante singular, conhecido meu.

Macio, misterioso, cheio de enigmas, como quem conta um segredo. Mesmo quando fala alto.

Não há quem discorde. Seu tom de voz é único e ponto.

Desconfio das noites que chegam quentes porque têm esse ar atrevido, desinibido, despreocupado. Que tipo de gente anda sem um peso nas costas?

“Mas a noite não é gente!”, reclama meu desejo de corretor.

Acho que a noite é a gente, então.
É. Eu sou a noite. A noite sou eu.
Por isso desconfio de mim.
Vivo em desconfiança,
entendeu?

Me prendo, me solto,
pago a fiança.
Mas assim, veja bem:
noites frias, quentes,
de silêncio ou de dança,
quem não tem?

testeUma #JojoLover no cinema

Por Nina Lopes*

ME BEFORE YOU

Como eu era antes de você foi lançado pela Intrínseca em 2013. Foram três anos de espera para ver uma das minhas histórias preferidas ser adaptada para o cinema. Revi o trailer inúmeras vezes antes da estreia do filme, ouvi a trilha sonora e assisti a entrevistas com os atores. Até que finalmente chegou o dia.

Chamei os amigos do editorial da Intrínseca, peguei minha pipoca (e meu lencinho), me preparei psicologicamente e esperei Will aparecer na tela. O início é igual ao livro, ou seja, já começa com uma cena impactante. Will está muito bem representado por Sam Claflin. A expressividade no olhar, a amargura que o personagem carrega, a dificuldade de lidar com o destino e com o fato de não poder mais ser ele mesmo, tudo isso está presente no Will do cinema, e é impossível não se comover com sua voz trêmula e seus olhos cheios d’água durante algumas conversas com a Lou. (Sem contar que ele ainda fica l-i-n-d-o com aquela camisa branca com os primeiros botões abertos na cena da praia. É para chorar diante de tanto charme.)

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Emilia Clarke não fica atrás ao interpretar uma Lou otimista, engraçada, estabanada e estilosa. Pode parecer clichê e pouco realista ver uma menina do interior sem muitas ambições ficar feliz com pouco, mas ela é um exemplo de que podemos encontrar nas pequenas coisas motivos para nos levantar felizes todos os dias.

Capa_ComoEuEraAntesDeVoce_FILME.inddSempre vai ficar algo de fora numa adaptação, e, para mim, a riqueza da narrativa de Jojo Moyes é incomparável. Em apenas duas horas de filme não dá para acompanhar todas as singularidades do cotidiano da família Clark, a profundidade do sofrimento de Will e cada motivo que prende Lou àquela cidadezinha inglesa. Não há nada como ler o livro e poder acompanhar os detalhes. Sei que não é possível levar todas as nossas cenas preferidas e todos os diálogos marcantes para o cinema, mas o importante é que a essência dos personagens se manteve fiel. Lou e Will são como um raio de luz na vida um do outro. Nasce um amor sutil entre eles, mas daquele tipo que provoca grandes mudanças. E o filme permite que essas grandes mudanças alcancem um público ainda maior.

É preciso enxergar além do que parece apenas uma história de amor feita para nos emocionar. No fim, entre tantas outras coisas, Como eu era antes de você me mostrou que devemos aprender a respeitar escolhas individuais, principalmente as de quem amamos. Só assim levaremos uma vida com mais amor e seremos mais felizes em um mundo tão plural.

*Nina Lopes é editora assistente no setor de ficção da Editora Intrínseca e é dessas que se apaixonam pelos personagens dos livros que lê.

testeNovo trailer de O lar das crianças peculiares

A Fox Filme do Brasil divulgou mais um trailer com cenas inéditas de O lar das crianças peculiares. O filme, dirigido por Tim Burton, tem estreia prevista para 29 de setembro no Brasil.

A atriz Eva Green dará vida à personagem Srta. Peregrine e o papel de Jacob ficará a cargo de Asa Butterfield. O elenco terá ainda Allison Janney, Terence Stamp, Rupert Everett, Judi Dench e Samuel L. Jackson.

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A história narra a saga de Jacob Portman, um adolescente de 16 anos que segue as pistas deixadas após a morte do avô para descobrir um lugar mágico que abriga crianças com poderes especiais. O local guarda muitos mistérios e é protegido pela diretora Srta. Peregrine.

Cidade dos etéreos, segundo livro da série criada por Ransom Riggs, já está à venda.

testeA rainha da Teoria da Colher

Por Mariana Calil*

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Enrolei algumas semanas para entregar este texto.

Eu sei, é muito feio isso, afinal, é trabalho. Mas também era esse o problema: como eu ia falar de Alucinadamente feliz de forma profissional, sem cair no piegas de me expor no blog da empresa?

Tentei lembrar de coisas que tivessem acontecido durante a preparação do livro, fora os eventuais chafarizes nasais de café com uma piada inesperada. Foram necessárias algumas pesquisas acerca de uma ou outra questão de cultura americana e também sobre alguns distúrbios e manias. Por exemplo, ficamos na dúvida entre usar “dermatotilexomania” ou “dermatilomania” (a quem possa interessar: obsessão por puxar ou arrancar a própria pele). Optamos por usar o segunda, por ter a grafia mais simples e um número de resultados satisfatório entre publicações acadêmicas e leigas, mas os dois estão certos. Mas nada disso seria capaz de explicar POR QUE o livro me empolgou tanto.

Então vamos à própria Jenny Lawson e a incrível Teoria da Colher. Funciona assim: todo dia, você acorda e ganha UM MONTE DE COLHERES. Parece um número infinito. Aí você levanta, e lá se foi uma colher. Toma banho, e foi outra. Escova os dentes, e mais outra. É como se o dia fosse um freezer de sorveteria abarrotado e você pudesse aproveitar tudo que está nele — só que toda vez que experimentasse um sabor com uma colher, ela teria que ser descartada. A melhor parte é que não é necessário economizar muito; um novo carregamento de colheres chega a cada manhã.

Capa_AlucinadamenteFeliz_GOu não. Porque é essa a grande questão: quando ficam doentes ou sofrem, as pessoas não recebem o mesmo número de colheres que receberiam num dia em que estivessem saudáveis. Quem tem doenças crônicas recebe menos colheres que quem não tem. E se você sofrer de um transtorno emocional… Talvez possa acordar e descobrir que só tem as colheres que sobraram do dia anterior, mesmo.

A teoria é de uma amiga dela, Christine Miserandino, mas é claro que Jenny precisava explicar o conceito no livro. Porque se essa teoria fosse entrar numa enciclopédia, a ilustração poderia ser: Jenny vestida de canguru junto com uma horda deles na Austrália; Jenny fazendo rodeios com um guaxinim empalhado na cozinha; as listas de suprimentos que ela fez para o caso de um apocalipse zumbi. Veja bem, não basta ter depressão, transtorno de ansiedade grave, distúrbio de automutilação e mais uma série de problemas, Jenny também tem artrite reumatoide e doenças autoimunes. Ou seja, tem dias que ela acorda e percebe que não tem mais que meia dúzia de colheres.

E, para mim, é isso que faz dela a rainha soberana da Teoria da Colher. Porque provavelmente nós recebemos algumas dezenas de colheres todas as manhãs, fora as que sobraram do dia anterior, e nos damos por satisfeitos com colheradinhas de baunilha, limão e de vez em quando chocolate. É clássico e repetitivo, mas esses sabores não vão decepcionar. Já Jenny, mesmo com suas poucas colherinhas, vai em busca das misturas mais alucinadas e memoráveis. Sorvete de biscoito para cachorro. Sorvete de cabeça de urso empalhada. Sorvete de pé humano com queijo.

(Juro que você vai entender as referências se ler o livro.)

Foi aí que a leitura me deu uma colher extra. Não uma colher comum, que pode ser usada em qualquer dia, mas uma colher ornamentada e vitalícia que eu posso pendurar na minha parede e dizer para mim mesma: não importa quão mal eu me sinta, ou quantas colheres tenha. O importante são os sabores que vão enchê-las. E sabores não faltam nesse livro. Seja no Japão, com ninjas atrapalhados tentando invadir o quarto, ou em casa, em meio a uma maratona de Doctor Who, Jenny Lawson sabe degustar o que há de melhor quando tudo parece um caos sem fim.

E nossa, como precisamos aprender isso com ela.

>> Leia um trecho de Alucinadamente feliz

Mariana Calil é assistente editorial na Intrínseca. Tem um gosto muito louco para leitura, que vai de livros infantis a memórias de guerra, passando por literatura policial e ficção especulativa.

testeA poesia pode andar de chinelo

21.06 colunapedrogabriel

Quando a caneta encosta na página em branco, não solta somente uma tinta preta; também liberta nossa sensibilidade, deixa fluir nossa história. O que escorre do nanquim a gente não escolhe — nunquinha! O que sentimos simplesmente vem, sem pedir licença (poética?).

Na tinta há um tanto do que lemos. Na tinta há um tanto do que ouvimos. Na tinta há um tanto do que amamos, do que silenciamos. Na tinta há um tanto de abandono, desespero, amparo. A escrita é uma espécie de disfarce revelador. Ela materializa o que tentamos esconder constantemente. A escrita é uma espécie de escuridão transparente: esclarece o que não temos coragem de acordar. Se por um lado nos preserva com nomes de personagens e histórias que supostamente brotaram da imaginação, por outro abre nossa gaveta mais íntima sem que a gente perceba. Ninguém inventa histórias. O que se inventam são mecanismos, processos e formas de contar o que já existe, adormecido, dentro de nós. A imaginação nada mais é do que um despertador de realidades. Cada um sabe a hora que prefere despertar.

Sempre fui mais apegado aos autores e às autoras que descomplicam a poesia. Posso citar Arnaldo Antunes, Mario Quintana, Manoel de Barros, Marcelino Freire. Gosto dos que falam de profundidade com uma aparente superficialidade. Não que sejam de fácil leitura, mas que não tenham a prepotência no discurso, o nariz em pé na palavra ou salto alto nas mãos.

O estereótipo do poeta tradicional nunca me agradou: cabelos grisalhos, óculos redondos, paletó bege com cotoveleira de couro, sofrimento, solidão, e mais sofrimento, e mais solidão. O estereótipo do poeta tradicional parece não combinar com o verão. Aos olhos do mundo, precisa ser inverno: ver neve onde poderia muito bem haver areia. O estereótipo do poeta tradicional parece não ornar com o sol, o calor, o suor, a bermuda. Besteira. Para que tanta pose para escrever poesia? A poesia também pode — e deve — usar chinelo de vez em quando. (Só não se esqueça de cortar as unhas dos pés).

testeAs ondas se rompem

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Em 5 maio de 1923, na rua São José, 114, região central da cidade, foi criada a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Presidida por Henrique Morize e tendo Carlos Guinle como um de seus diretores, a emissora era um velho sonho do médico e escritor Edgar Roquette Pinto. A ideia era fazer dessa que foi a primeira estação brasileira um instrumento de educação e, portanto, transformador da sociedade. Foi com esse sentimento que a rádio foi implantada no Brasil, tanto que em São Paulo a estação pioneira se chamava Rádio Educadora Paulista.

Os brasileiros gostaram tanto do rádio que na década de 1930 ele já tinha se tornado um potente veículo de divulgação de informações, modismos, cultura e consumismo. Em 1936 seria inaugurada a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, e dois anos mais tarde pudemos acompanhar de forma inédita a Copa do Mundo, realizada na França: pelas ondas radiofônicas. No fim da década, em 1939, o presidente Getúlio Vargas criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e passou a explorar o potencial político do rádio através do programa “Voz do Brasil”, que existe até hoje.

Na década seguinte, a Nacional, sempre com um forte sotaque carioca, consagrou em todo o Brasil artistas como Ary Barroso, Carmen Miranda, Francisco Alves. Com a popularização da televisão parecia que o veículo estava com os dias contados. Para surpresa de muitos, no entanto, as rádios sobreviveram. Mais tarde, no início do século XXI, apareceu um novo competidor, a internet, e de novo os problemas foram contornados.

Hoje as rádios passam pela pior crise de sua gloriosa história. As maiores emissoras do Rio de Janeiro fizeram demissões em massa recentemente e/ou estão com dificuldades de pagar os salários em dia. Recentemente, perdemos Alfredo Raymundo, Maurício Menezes e Sidney Rezende, verdadeiros ícones do rádio brasileiro. E os festejos dos oitenta anos da Rádio Nacional passam ao largo.

Ainda assim, o rádio tem um público fiel. Alguns programas conseguem manter quase 400 mil ouvintes por minuto. Ao contrário do que se imaginava com o advento da internet, as emissoras se adaptaram ao ambiente virtual e conseguiram renovar suas plateias.

Quando esta onda ruim passar, o velho e bom rádio vai, mais uma vez, mostrar todo o seu vigor.