testeUma nova vida, depois do túnel

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Otávio acordou naquele dia com o claro entendimento a respeito de algo que todo o resto do mundo já sabia. Nenhum astro de cinema interpretaria a história de sua vida, sua vida não daria um livro, ele jamais ouviria um estádio aplaudindo seu talento para a dança, a música ou os esportes. Queria tempo, mas oitenta anos não parecia ser bastante, cento e vinte também parecia pouco para entrar para a história. Almejava desesperadamente ser lembrado.

Tempo é relativo. Quanto é suficiente para dançar todas as danças que queremos, ouvir todas as músicas que ninguém sequer cantou, comemorar novos anos sem sentido? Parecia impotente, pequeno, como se as grandes expectativas que sempre tivera em torno de si mesmo fossem só ilusão. Carregava um orgulho que desarmava qualquer um que quisesse lhe dizer o contrário. E agora lutava para mantê-lo.

Toda a empáfia e confiança eram, na realidade, fachada para o medo. Ali, no escuro do seu quarto, o sol de meio-dia do Rio de Janeiro espalhando câncer de pele lá fora, percebeu que o tempo se esvaía e um assunto esquecido, dado por terminado, não lhe saía da cabeça. Jurara que, toda vez que pensasse no pai, imediatamente afastaria a imagem de Roberto da cabeça. Comeria um brigadeiro, escreveria um poema, assistiria a um desenho animado. Funcionou por cinco anos.

Mas hoje, não. Tinha coisas a resolver; tempo era um bem precioso e ele dispunha de muito para si. Não fora difícil descobrir o endereço novo de Roberto, sabia que era na Barra. Odiaria atravessar aquele túnel, ainda mais naquele calor. Com a informação do bairro, foi fácil enganar a secretária do advogado que lidava com o divórcio para obter a informação de que precisava. Fazendo-se passar pelo pai, exigiu que a moça recitasse o endereço completo, com CEP, alegando que os documentos estavam indo parar na casa de sua ex-mulher, em Laranjeiras.

Nesses cinco anos, a mãe de Otávio evitava falar de Roberto. Não fazia isso como as mulheres de Isabel Allende; não havia feito uma promessa tácita de jamais dizer o nome dele novamente. As tragédias que Selma enfrentava não se transformavam em um estilo de vida, uma convicção. Ao descer do ônibus, já na Barra, Otávio não teve dificuldade em encontrar a nova casa do pai. O edifício onde ele morava era alto, de fartas janelas, eram apartamentos espaçosos para famílias numerosas.

Não demorou muito para Roberto sair acompanhado de duas crianças, meninos de uns dez, onze anos. Foi tão fácil que Otávio riu. Não eram filhos biológicos dele, isso dava para ver, o pai não mantivera uma segunda família em segredo. Eram loiros, possivelmente filhos do primeiro casamento de sua nova esposa. Depois do túnel, Roberto fora transferido a uma nova dimensão. Calçadas largas, prédio com piscina, garotos saudáveis sempre pedindo um sorvete.

Os meninos circulavam de bicicleta, com a ordem de jamais irem além do posto de praia, onde podiam ser avistados por Roberto. Obedeciam, e ele gostava disso, apreciava ser ouvido. Pareciam ser a antítese de Otávio, que sempre vinha com uma pergunta, uma questão, uma urgência. Mas o pai não bateu em retirada ao ver o filho de vinte e poucos anos chegando. Não se moveu.

Otávio sentou-se na ponta oposta do banco de praia. Entre ele e Roberto, duas pessoas poderiam se sentar, um tanto apertadas, se assim quisessem. Roberto olhou o filho, estava ainda mais parecido com ele próprio. Tinha uma fragilidade ali que ele não conseguia explicar, como uma estrutura forte com rachaduras. Olhos pequeninos, negros. Talvez um dia ele também terá de usar remédio para calvície, pensou. Via-se como num espelho distorcido, um reflexo esquisito.

O filho entendeu que o pai seguira adiante na vida e percebeu que, embora tenha negado a existência de Roberto por tanto tempo, agora precisava dele por perto. Queria ouvir os conselhos que ignorara ou, pelo menos, ter a coragem de dizer alguma coisa. Sentia ciúme dos garotos saudáveis, obedientes e estudiosos que pedalavam felizes de um lado para o outro. Guardava um sentimento de posse que jamais associara ao pai.

Estava em desvantagem. Otávio, que sempre tinha algo a dizer, uma piada na ponta da língua, via-se em silêncio. Sobre aquele retrato perfeito da família carioca, possuía apenas uma vantagem. Apenas uma. Algo imutável, inquestionável, único, verdadeiro e também belo: os dois sentavam-se exatamente na mesma posição, com as mesmas mãos peludas, a mesma cabeça redonda.

E nada diziam. Roberto estava um tanto surpreso de Otávio ter desenvolvido a capacidade de apreciar o silêncio, de calar-se quando não se precisa falar nada. Por uns segundos, gostou da companhia para ouvir o barulho do mar e do trânsito. Antes de levantar-se, o filho finalmente chegou um pouco mais perto e teve a coragem de dar o primeiro passo.

— Eu sou seu filho.

Então levantou-se e foi até o ponto de ônibus, que não ficava muito distante. Olhou para ele, de longe. E entrou no primeiro coletivo que passou.

Roberto quis levantar-se, dizer algo. Mas nada fez.

 

>> Leia um trecho de O amor segundo Buenos Aires

testeA propaganda eleitoral terá menos maquiagem

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Quando se escreve sobre o futuro, o importante não é acertar o próximo acontecimento, mas tentar antecipar tendência. Como sou jornalista, e não futuróloga, meu desafio foi ainda maior ao escrever História do futuro. Lançado há um ano, o livro antecipou vários dos sinais que já são vistos na vida brasileira.

Outro dia, lendo jornal, encontrei matérias sobre o fato de que as eleições agora terão menos “maquiagem”. No livro está registrado que esta seria a tendência: “A propaganda eleitoral precisa deixar de ser cênica para ser uma defesa de ideias e projetos.” E sobre esse momento, afirmei que “a ressaca desse marketing eleitoral (da eleição presidencial de 2014) foi tão violenta que talvez provoque um efeito dissuasório nas próximas campanhas”. Para sustentar o ponto, mostrei os dados de queda brusca da popularidade da presidente Dilma Rousseff, que, em março de 2015, com três meses do segundo mandato, tinha apoio de apenas 13% dos eleitores.

historiadofuturo_capa_GDesde que coloquei o ponto final no livro, muita coisa aconteceu, contudo a tendência continua sendo a de que as eleições no futuro tenham menos maquiagens e truques de marketing. As campanhas terão que ser mais baratas, porque haverá mais fiscalização sobre o financiamento. Além disso, o eleitor não está disposto a acreditar em um candidato cenográfico inventado pelo marqueteiro. Alguns vão tentar isso, porém o eleitor brasileiro amadurece a cada eleição.

Nenhuma mudança ocorrerá em um passe de mágica, mas essa é a tendência. O capítulo sobre política no livro começa com a frase: “O país vive uma fase de muita tensão institucional e a sensação que se tem é de estar sobre uma terra que treme.” Por isso seu título é “Terra em transe na política”. Um ano depois do lançamento, a política continua tremendo.

Sempre torço para que o leitor do meu História do futuro considere que o livro foi útil. Meu objetivo nunca foi convencer ninguém, e sim apresentar dados e fatos que pesquisei, ideias e trajetórias de pessoas que entrevistei. Escrever o livro foi bom para mim. Tudo o que precisei estudar, todas as entrevistas que fiz, me ajudam a entender o tempo das muitas turbulências que vivemos.

>> Leia um trecho de História do futuro

testeTudo em Família

Em entrevista ao blog, Tatiana de Rosnay, autora do best-seller A chave de Sarah e do lançamento A outra história, discute o perigo dos segredos familiares, bloqueio criativo na era digital e defende uma literatura livre de rótulos.

Por João Lourenço*

tatiana_blogTatiana de Rosnay (Foto: Charlotte Jolly de Rosnay)

Durma mais, leia o jornal, caminhe na natureza, marque um jantar com os amigos, converse com pessoas criativas, assista a uma palestra do TED Talks — e tente novamente. Essas são algumas dicas que aparecem no Google para quem procura meios para combater o bloqueio criativo. Mas, no caso do jovem Nicolas Duhamel, mudar de cenário foi a melhor saída para lutar contra o mal que atormenta escritores.

Em busca de inspiração, ele se refugia, acompanhado da namorada, em um resort de luxo na costa da Toscana, mas nem o ambiente exclusivo e paradisíaco é capaz de interromper a procrastinação do autor. Após o sucesso internacional de seu livro de estreia, O envelope — que se transformou em filme com direito a indicação ao Oscar, Nicolas passa horas monitorando o tráfego de suas redes sociais.

Para vencer o bloqueio criativo e encontrar inspiração para o próximo romance, o jovem escritor precisa enfrentar um passado assombroso e lidar com um futuro assustador. Além de alto e bonito, Nicolas é o protagonista de A outra história, novo romance de Tatiana de Rosnay. “Sem dúvida, você vai achá-lo irritante no início do livro. Ele é um escritor best-seller cuja vaidade não conhece limites. Mas debaixo dessa camada de superficialidade, preguiça e procrastinação, Nicolas é um jovem carismático que está prestes a enfrentar novos desafios”, conta a autora.

Às vezes a ficção imita a vida real. Quando se trata das conveniências da fama, Tatiana de Rosnay também enfrentou situação parecida com a de Nicolas. Em 2007, ela chegou à lista de best-sellers internacionais com a publicação de A chave de Sarah, romance que revisita a participação e o papel da França na Segunda Guerra Mundial. O livro vendeu mais de 5 milhões de cópias e foi traduzido para mais de 30 idiomas; ganhou adaptação cinematográfica, em 2010, tendo como estrela a atriz Kristin Scott Thomas. Em seguida, Tatiana entrou para a lista dos 10 autores mais importantes de ficção na Europa, ao lado de nomes como Dan Brown, Stephenie Meyer e Stieg Larsson. “Devo admitir que a experiência de Nicolas com a fama e suas desvantagens é muito parecida com a minha. A diferença é que não sou tão vaidosa como ele, claro. Meu conselho para os escritores: mantenham uma distância saudável da fama!”

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Além de abordar importantes questões relacionadas à fama, à procrastinação e ao processo criativo na era digital, A outra história também é um livro sobre como lidamos com os segredos de família e seus mistérios. A trama é impulsionada por memórias e flashbacks de Nicolas. Certas reviravoltas, em um primeiro instante, parecem óbvias, mas Tatiana apresenta uma maneira inteligente de manter o leitor interessado no curso da história, mesmo quando o protagonista não é uma pessoa fácil de simpatizar. “Segredos de família são incrivelmente românticos e inspiradores. No entanto, sei do sofrimento e da dor que segredos de longa data podem causar quando são finalmente revelados. A outra história é um livro bastante pessoal, resultado de minhas experiências como escritora.”

Tatiana de Rosnay, que também colabora com jornais e revistas como Elle e Vanity Fair, conversou por e-mail com a Intrínseca.

 

Intrínseca: Certa vez, um escritor me disse que escrevia para a página em branco, que o importante é não pensar em um leitor específico enquanto escreve. E você, para quem escreve?

Tatiana de Rosnay: Comecei a escrever quando tinha 10 anos, pois gostava muito de ler. Eu era um típico rato de biblioteca. Acredito que escrevo porque sinto necessidade de compartilhar uma grande variedade de emoções. Mas não penso em um leitor em particular enquanto escrevo; isso é algo que limita o fluxo narrativo.

 

I: A autora Joyce Carol Oates disse em entrevista à Paris Review que existem algumas desvantagens para mulheres na ficção. Ela disse, por exemplo, que pelo simples fato de ser mulher ela não é levada a sério por alguns críticos do sexo oposto. Porém, Oates fez essa declaração na década de 1970. Para você, a afirmação dela permanece verdadeira?

TR: A declaração de Joyce Carol Oates, autora que admiro, infelizmente ainda é válida. Mulheres e homens são considerados de formas diferentes. Por quê? Nosso trabalho ainda não é levado tão a sério. Algumas vezes, nosso trabalho é rotulado como “ficção feminina”. Particularmente, além do fato de soar pejorativo, eu não entendo o que querem dizer com esse termo. Será que isso significa que para algumas pessoas as mulheres não escrevem com a mesma potência e habilidade que os homens? Não concordo com esse ponto de vista. Não acredito que o trabalho de um escritor deve ser julgado com base em gênero, sexualidade, raça, religião e opiniões políticas.

 

I: A outra história acompanha a trajetória de Nicolas Duhamel, um escritor autocentrado que ganha fama após a publicação de um livro de sucesso. Você também alcançou sucesso internacional com a publicação do romance A chave de Sarah, que, assim como o livro de Nicolas, teve uma adaptação cinematográfica. Como você encarou esse período de fama internacional?

TR: Sou o tipo de escritora que gosta de mudar de estilo a cada novo romance. A outra história é um livro muito diferente dos meus romances anteriores, explorei novos caminhos, novas aventuras. Eu diria que se trata de um livro moderno, porque explora como os escritores escrevem hoje em dia, onde eles vão atrás de inspiração e como essas ideias são utilizadas para criar romances. O livro também é sobre como lidamos com segredos de família e seus mistérios. E, finalmente, é um livro sobre identidade, como podemos forjar a nossa identidade quando estamos on-line.

Não escrevo sobre mim diretamente, mas gosto de começar com algo pessoal e, em seguida, transformo isso na história de outra pessoa, que é exatamente o que aconteceu nesse livro.

 

I: Nicolas sofre de bloqueio criativo, o que costuma ser uma experiência comum para o escritor após um enorme sucesso comercial. A obsessão de Nicolas com redes sociais e dispositivos eletrônicos não o ajudou a superar o bloqueio. Como as novas tecnologias impactam o processo criativo?

TR: Meu herói é um jovem moderno que passa mais tempo na frente de telas do que interagindo com pessoas na vida real. Sem dúvida, você vai achá-lo irritante no início do livro; ele é um escritor best-seller cuja vaidade não conhece limites. Debaixo dessa camada de superficialidade, preguiça e procrastinação, Nicolas é um jovem carismático.

Estou interessada em entender como as redes sociais transformam a vida de um escritor, como podemos ficar presos nessas plataformas, como Facebook e Twitter podem reduzir nossas inspirações. Gastar muito tempo on-line é algo perigoso para muitos escritores. Eu, por exemplo, não posso escrever em um computador que esteja ligado à internet. Preciso desligar meu telefone e me retrair em uma bolha de silêncio. Vivemos em um mundo onde estamos constantemente ligados a nossos celulares e nossas telas e, às vezes, nós nem sequer conversamos uns com os outros.

image1Tatiana de Rosnay e a atriz Julia Roberts, que participará da adaptação de Extraordinário para os cinemas  (Foto: Alexi Lubomirski )

I: Você tem uma presença forte nas redes sociais. Qual a importância dessas plataformas digitais para você?

TR: Sim, sou uma grande fã das redes sociais e meus leitores sabem disso! Mas, ao contrário do Nicolas, que desperdiça muito tempo na internet, aprendi a ter cautela. A minha rede social favorita é o Instagram. Às vezes, imagens falam muito mais do que palavras!

 

I: Você pode compartilhar um pouco do seu processo criativo? 

TR: Escrevo ficção desde os 10 anos, então posso dizer que escrita é parte da minha vida. Trabalho toda manhã e, às vezes, também escrevo no fim da tarde. Edito a mim mesma sem piedade. Geralmente, tudo surge com um esboço, mas na hora de realmente sentar para escrever um livro outras ideias aparecem e, então, me permito certa liberdade para fugir um pouco do esboço inicial. Descrevi todo esse processo em A outra história, o tema principal do livro é sobre essa exploração do processo de escrita e como isso se diferencia de escritor para escritor. Não sofro de bloqueio criativo na hora de escrever. Concordo com o que o Stephen King diz: “O momento mais assustador é sempre pouco antes de você começar [a escrever]. Depois disso, as coisas só podem melhorar.”

>> Leia um trecho de A outra história

 

João Lourenço é jornalista. Passou pela redação da FFWMAG, colaborou com a Harper’s Bazaar e com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Atualmente está em Nova York tentando escrever seu primeiro romance.

testeAeropoemas e as Bienais de São Paulo

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Gostaria de viajar na janela 

Acabo de lançar meu segundo livro, Pó de lua nas noites em claro. Um movimento de mergulho na madrugada pelo imaginário, pelos olhos fechados que se abrem. O filho nasceu e agora quer ganhar o mundo, o que fazer? Filhos são feitos para voar, e isto para mim é um brilhante sinal: começou aquele tempo delicioso de encontrar meus leitores pelo país.

Primeira parada: Bienal de São Paulo, dia 28.

Ainda lembro a primeira vez que estive numa Bienal. Era a primeira vez, inclusive, que eu saía da minha cidade para lançar meu primeiro livro. Há dois anos. Primeiramente, muitos primeiros para uma frase só. Dá para imaginar meus primeiros pânicos e os devaneios pioneiros em exageros delirantes.

Quando criança, adorava meu tempo só e em silêncio. Nunca fui rainha do parque, líder do tanque de areia, dona da bola. Muito pelo contrário. Era aquela aluada que esquecia as coisas por aí. Vivia quieta. Ocupava-me muito facilmente da imaginação, dos lugares que não são daqui, como no fundo também nunca fui.

Tudo isso é para dizer que meus devaneios pioneiros em exageros delirantes foram maravilhosos em relação à Bienal. Tinha anos de experiência no ramo do devaneamento profissional.

Terminei vivendo uma experiência que driblou belamente uma imaginação muito bem treinada. Um breve relato do que foi aquele dia abridor de tantas portas do meu coração está aqui.

Agora, dois anos depois, volto a esse espaço caloroso com a madrugada no bolso. Lá vou eu, mais velha, mais viajada (pode colocar os múltiplos sentidos da palavra) e mais ansiosa por ver aqueles seres humanos que marcaram tão profundamente o meu primeiramente. E os novos também, claro. Não seria nada sem eles.

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Melhor não dar muitas asas à minha imaginação sobre como vai ser. Às vezes é mais prudente desistir e se entregar ao imprevisível. As coisas imprevisíveis vêm sempre acompanhadas do amigo “gelo no miocárdio” e ao menos se pode dizer que não é possível morrer de tédio com eles.

Obviamente, as nuvens sempre foram uma espécie de segunda casa para uma “cabeça de vento”. A verdade é que, a partir da Bienal de São Paulo de dois anos atrás, como eu disse, tive a oportunidade incrível de conhecer muitos dos meus leitores pessoalmente, espalhados pelo país. Muitas viagens querem dizer muitos aviões. Muitos aviões transportam muitas horas sozinha, sem internet para atrapalhar e um só pedido: por favor, gostaria de viajar na janela. Amo colar a testa no vidro e ver, lá de cima, como o mundo é minúsculo. Quanto minhas preocupações, vistas de longe, parecem aqueles carros de brinquedo que passam numa avenida de maquete. Praticamente insignificantes. Tomar distância é um santo remédio para os olhos e para o juízo inicial e final das nossas vidinhas.

De cidade a cidade, por leitores-amores a cada parada, eu estava pelos ares — um habitat natural? — e, diante de mim, um papel em branco se desenhou em forma de nuvem atrás de vidro. Não resisti.

Vou até aproveitar a oportunidade para responder a indagações que recebo pelas redes sociais: meu nível de vandalismo é baixíssimo. Costumo escrever muito nas janelas da minha casa com canetas específicas. É muito fácil apagar; tudo é retirado num piscar de olhos, podem ficar calmos. Escrevo e apago na mesma hora. Depois da foto, claro. Tudo limpinho.

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Não que eu não olhe de lado para observar se uma aeromoça está vindo para ver se estou destruindo o avião ou escrevendo alguma mensagem macabra de despedida. Ok, olho de lado.

Ninguém olhando, não há quem me impeça: passei a escrever nas nuvens brancas, nos mares azuis, nos infinitos coloridos dos fins de tarde. É um lugar de soltar o peso: o mundo é inofensivo lá embaixo. De cima, tudo é calma, tudo é alma, silêncio ou a música que escolho. Como não aproveitar para ouvir as vozes abafadas pelo barulho do chão? O chão é barulhento. As vozes de dentro adoram nuvens. E eu também. Assim nasceram meus Aeropoemas escritos no céu.

Sem papel. Sem escarcéu. Sem nada. Só uma caneta, umas horas desocupadas e o infinito de estrada.

Pela frente, as nuvens — tão alvas — reluzem de dia.

Os mares, tão límpidos, azulam em calmaria.

Ali, por trás do vidro, a imensidão,

veja só:

é poesia.

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testeO verso da criação – a escolha do nome

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Queridos leitores, queridas leitoras, sei que me ausentei de minhas colunas nestes últimos meses. Confesso que cada terça-feira que passava em branco meu coração apertava um tanto. Eu queria contar novidades e detalhes do que estava criando em segredo, mas preferi esperar o momento certo para revelar o motivo de tamanha demora. Eu estava mergulhado na estrutura do meu novo livro, que hoje, por coincidência, começa a ser distribuído pelas principais livrarias de todo o país.

Na última semana, tive a oportunidade de ver pela primeira vez Ilustre Poesia impresso. Foi uma emoção rara; passou um filme na minha cabeça. Lembrei-me de todas as reuniões demoradas (e fundamentais!), de todos os guardanapos descartados, de todas as noites em branco. Tive, então, a ideia de dividir o roteiro desse filme com vocês. Trata-se, porém, de uma película estática, gravada apenas em palavras. O movimento fica por conta da emoção de cada um ao abrir, ver, ler e fechar o livro.

Contarei um pouco dos bastidores do nascimento das páginas, algumas curiosidades que aconteceram durante o parto e, principalmente, o processo criativo dessa espécie de trilogia de um pré-romance — que são os livros Eu me chamo Antônio. Resolvi chamar essa série de textos de O verso da criação.

Hoje e nas minhas próximas três colunas falarei exclusivamente sobre o Ilustre Poesia. Combinado?

Vou começar pela escolha do nome. Para alguns, Ilustre Poesia pode soar um pouco prepotente, como se eu quisesse colocar minha poesia num patamar mais nobre, superior. Muito pelo contrário. A intenção foi justamente desmitificar o peso que há por trás da palavra poesia, trazê-la um pouquinho para o chão, mostrar que cada um de nós é capaz de caminhar — a passos largos ou a curtas pegadas — nessa estrada da criação poética.

Ilustre é um adjetivo de dois gêneros que qualifica uma pessoa estimada, que se destaca por ser conhecida, que tem qualidades dignas de apreço. Ilustre também adjetiva o que é nobre. Logo, ser ilustre é ser digno, é ser importante, é ter destaque. Mas ilustre também representa a primeira e a terceira pessoas do singular do verbo “ilustrar”. Ilustrar nada mais é do que tornar ilustre, esclarecer, elucidar ou adornar algo com ilustrações.

Poesia é tudo o que desperta sentimentos, emoções. No meu primeiro livro, defini o que ela representa para mim: “Poesia é tudo o que não cabe no poeta.” Todas as palavras que não consigo mais proteger, todos os desenhos que não tenho mais coragem para apagar, viraram poesia. Foi exatamente isto que me propus a fazer quando comecei a rascunhar as primeiras ideias desse projeto: eu quis ilustrar minha sensibilidade, dar vida à minha imaginação, transcrever de alguma forma meus silêncios.

Ilustre Poesia é um diálogo constante entre a sílaba e o traço. É uma colisão sensível entre a fantasia e a realidade. Uma conversa silenciosa entre o mar e o espaço. Um caminho onírico de um poeta desconhecido em busca do seu chão, da sua personalidade.

testeAzul e Branco: O Topo do Mundo e a Fronteira

Por Ciro Nolasco*

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A fronteira. (fonte)

Quando eu saio de casa, sempre repito um mesmo ritual. Calço os tênis, passo os fones de ouvido por dentro da camisa, coloco-os nos ouvidos e ouço podcasts enquanto caminho. Vez ou outra, olho para o céu. Em algumas dessas vezes, acabo realmente observando.

Penso quais das estrelas além daquele manto azul ainda brilham, quais são meros fantasmas de um astro que não está mais lá; se existe vida, se ela é inteligente, se está nos evitando. Será que buracos negros são portais para outros universos? Essa curiosidade me fascina e me assusta. Depois de fazer uma quantidade incontável de questionamentos, percebo que errei uma rua em que devia entrar ou perdi o ponto de ônibus onde tinha que saltar.

Eu sigo com a minha vida – com a minha rotina. Mas existem aqueles que, movidos por essa inquietação, saltam para o desconhecido, para a fronteira – para compreendê-la. São os exploradores, a vanguarda da espécie humana.

A humanidade sempre vai conviver com alguma fronteira. Com o passar dos séculos e com nosso desenvolvimento, essa barreira se modifica. Toma novas formas, como a floresta, a noite, o mar, as montanhas e até mesmo outros povos. A princípio, é muito difícil para nós – indivíduos do século XXI – compreender a complexidade e magnitude da exploração de fronteiras passadas. Afinal, já temos esses locais dominados. Ninguém mais considera uma área de bosque ou o oceano pontos excepcionalmente desconhecidos. As lendas geradas por tais lugares, como bruxas, mulas sem cabeça e monstros do mar, já foram extintas. Por isso, voltar a examinar esses períodos de descobrimento com olhos contemporâneos pode ser desafiador. Tentemos fazer isso agora.

No fim do século XIX, a fronteira era o Círculo Polar Ártico, o território acima do paralelo 80 N, o enigmático cume do planeta. Hoje, com imagens de satélite e os efeitos do aquecimento global, essa área do globo carece de segredos como os do século XIX. Por volta de 1870, o local se tornou intrigante por conta da sua dificuldade de acesso e do ambiente exótico. Representava tudo que era desconhecido para a humanidade.

CAPA_NoReinoDoGelo_GO “Polo Norte [era] o topo do mundo. O ápice, o apogeu, o auge. Não só uma região magnética, mas também uma ideia magnética. Assomava como obsessão pública e enigma planetário — tão sedutor e desconhecido”. É como coloca a obra No Reino do Gelo, cuja ambientação tem sucesso em apresentar as condições, as motivações e os sentimentos dos membros de uma expedição ao Ártico. O livro acompanha George Washington De Long e sua busca por uma rota para o Polo Norte em 1879. Empreitada sem certezas – sequer de retorno.

Imagine você, no final do século XIX, na proa de um navio exploratório; sentindo o gelado vento marinho no rosto, olhando ao longe. Você não sabe o que há além e não tem como saber. Força o olhar para tentar identificar qualquer coisa que não seja gelo. O barco tem dificuldade de navegar por causa da grande quantidade de banquisas – água do mar congelada – e icebergs. O frio intenso causa queimaduras e é uma luta se manter aquecido. Além do som do bater da mandíbula – por conta da temperatura baixa – e do quebrar do gelo com a passagem do barco pela água, o silêncio impera. Acompanhando esse sossego, o horizonte se preenche somente de branco e azul, de água e gelo, por quilômetros e quilômetros, milhas e mais milhas náuticas. Sua imaginação passa a preencher as lacunas que você – o explorador – criou.

Existiram muitas teorias sobre o que haveria além da barreira de gelo que impedia as caravanas exploratórias de chegarem ao Ártico. Por algum tempo, por exemplo, imaginava-se que o Polo Norte não sofria de fato com temperaturas terrivelmente negativas, mas sim que um oceano com clima e mar amenos, como o Caribe ou o Mediterrâneo, existia no topo do globo – como se fosse assim por conta do contato constante com a luz solar. Segundo essa teoria, o gelo que os navios encontravam fazia parte de um cinturão que cercaria o mar calmo e quente. A ideia de esse ambiente ser real tinha tanta força nos círculos sensíveis ao assunto como a de que haveria uma Sociedade Ártica vivendo no centro do polo. As duas teorias, por algum tempo, nortearam o imaginário e a discussão sobre o extremo norte do planeta e só foram deixadas de lado com o aumento na frequência de expedições ao território e com as conquistas por elas alcançadas.

A partir de meados do século XIX, expedições para o Ártico se tornaram frequentes. Apesar da mística sobre o lugar ter diminuído conforme o conhecimento aumentava, a contemplação do desconhecido se manteve. O explorador simplesmente não conseguia deixar a curiosidade de lado. A motivação política e econômica que existia na exploração – de achar uma rota marítima para o comércio que cortasse o polo – deu lugar à pura vontade da conquista. Exploradores, cientistas, filantropos e entusiastas queriam saber o que havia no topo do globo. Muitos grupos falharam ao tentar se aventurar pelo território. Algumas expedições resultaram em desistência, morte de exploradores e até mesmo no sumiço da expedição, como foi o caso da de John Franklin (1845), que teve um dos navios encontrado somente em 2014. Entre elas, a caravana de De Long e o USS Jeannette também se depararam com dificuldades no seu caminho.

O cenário de conquista é favorável para uma história de superação individual. A exploração do Ártico está cheia de contos de sobrevivência. A expedição Polaris (1871) teve seu capitão morto por envenenamento. Quando o navio ficou preso no gelo, a tripulação sem líder ficou à deriva numa banquisa por seis meses antes de ser resgatada. Tripulações inteiras desapareceram e só sabemos suas histórias por conta de um punhado de sobreviventes – quando houve algum. Os que são lembrados são os nomes dos líderes de expedição, aqueles que buscaram compreender os mistérios da fronteira.

Existe uma contenda entre dois homens sobre quem foi o primeiro a chegar ao Polo Norte. Frederick Cook (1908) e Robert Peary (1909) dizem ter chegado ao local em momentos diferentes. Ambos teriam ido pela via marítima até onde o gelo permitiu e continuaram ou caminhando ou por meio de trenós puxados por cães. Somente a palavra desses homens prova a sua chegada ao polo. Os trajetos que tomaram, o tempo e como foram levantam muitas dúvidas sobre a veracidade de suas histórias. Apesar disso, Cook e Peary puderam tirar proveito desse status de “Primeiro no Polo” enquanto viveram, porque não havia quem fosse até lá para ver. Essas histórias apenas alimentavam a aura de mistério sobre o tema e criavam novas dúvidas.

Com o caminhar do século XX e seus acontecimentos – como as duas Guerras Mundiais e a Guerra Fria –, a exploração do território ficou para segundo plano, até o momento em que outros fatores, como o aquecimento global, a exploração espacial e imagens de satélites, transformaram as discussões sobre a área mais setentrional do planeta. Mais uma vez, a expansão do conhecimento permitiu à humanidade alçar novos voos, deixando o Polo Norte e seus segredos para trás.

O Ártico do século XIX e início do XX não é o mesmo de um século depois. Aquele colosso de gelo diminuiu em tamanho e mistério para dar lugar a outra fronteira: o espaço. Não por isso o Norte deixou de ser intrigante “com sua solitária grandiosidade, com suas miragens e seus estranhos efeitos de luz, seus parasselênios e halos vermelho-sangue, suas densas atmosferas de nevoeiro que alteravam e ampliavam os sons”. O Polo Norte continua implacável e fascinante àqueles que ousarem desvendar suas belezas.

 

Ciro Nolasco é formado pela UFRJ em História, mas ensina inglês. Tem uma grande coleção de contos de fantasia fantástica e ficção científica incompletos. Aprecia contemplar a imensidão das coisas.

testeSônia Braga no filme de Extraordinário

Depois de confirmar os atores Owen Wilson e Daveed Diggs, a brasileira Sônia Braga é a mais nova atriz a entrar no elenco de Extraordinário, no papel da avó de Auggie. A adaptação do livro de R. J. Palacio tem estreia prevista para novembro de 2017 e será estrelada por Julia Roberts e Jacob Tremblay, protagonista de O Quarto de Jack.

O longa será dirigido por Stephen Chbosky, autor de As Vantagens de Ser Invisível. O roteiro ficará a cargo de Steve Conrad, de À Procura da Felicidade, e Todd LiebermanDavid Hoberman serão os responsáveis pela produção.

Extraordinário conta a história de Auggie Pullman, um garoto que tem uma deformidade facial e que irá frequentar escola pela primeira vez. Com momentos ora comoventes, ora descontraídos, o livro já encantou milhares de leitores no mundo todo, retratando o impacto que um menino pode causar na vida e no comportamento de todos à sua volta, desde a família, os amigos e até a comunidade.

testeO Solar dos Abacaxis

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O Solar dos Abacaxis (Fonte)

Leio no jornal que a velha casa rosa, ornada com 14 abacaxis verdes de ferro fundido, na rua Cosme Velho, perto da entrada do túnel Rebouças, na Zona Sul do Rio de Janeiro, será, enfim, recuperada. Conhecido como Solar dos Abacaxis, o imóvel data de 1843 e foi projetado por Jacinto Rabelo, discípulo do famoso Grandjean de Montigny (1776-1850). A propriedade pertence aos 13 herdeiros do casal Marcos Carneiro de Mendonça e Ana Amélia Queiroz. Apesar de ser tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), está em péssimo estado de conservação, além de não ter água nem gás.

Torço para que prospere o projeto – liderado pelo arquiteto Adriano Carneiro de Mendonça, o professor Bruno Balthazar e os curadores Bernardo Mosqueira e Ulisses Carrilho – de transformá-la em espaço cultural. Afinal, este sempre foi o sonho de seus antigos proprietários. Ana Amélia era poetisa e foi fundadora da Casa do Estudante do Brasil e da Associação Brasileira de Estudantes. Marcos Carneiro, além de goleiro da Seleção e do Fluminense, dizia-se “heurista” (aquele que sabe encontrar solução para os problemas) e foi um grande colecionador de documentos e livros sobre a história do Brasil. Portanto, faz todo sentido erguer ali um centro de cultura.

Meu livro Os Guinle nasceu nessa casa, ao longo da convivência que tive a sorte de ter com Marcos Mendonça. Não faço parte da família, mas sou herdeiro intelectual do Solar dos Abacaxis. Sempre que estou na rua Cosme Velho e passo à sua frente, sinto dó. Independentemente da minha ligação com o casarão, acho importante que a cidade se mobilize não só para recuperar o Solar dos Abacaxis, mas também o vizinho Largo do Boticário, duas joias da arquitetura carioca.

testeQuatro dicas do TED para não cair em armadilhas ao falar em público

Boas apresentações exigem bastante preparação. Além de lidar com o frio na barriga, o palestrante precisa evitar situações que podem entediar a plateia e até perder sua atenção. Em TED Talks: o guia oficial do TED para falar em público, Chris Anderson, presidente e curador-chefe da organização, lista algumas dicas que podem ajudar qualquer palestrante a não cair em armadilhas.

  1. A conversa de vendedor

Para Chris Anderson, é frustrante e chato ouvir um discurso de vendedor.  As pessoas não vão a uma conferência para escutar argumentos de promoção. Quando perce­bem que talvez seja essa a intenção do palestrante, elas fogem para a segurança de suas caixas de e-mails. Por isso é necessário encontrar um jeito de se tornar generoso e cativar o público de uma maneira natural e verdadeira.

  1. Divagações

É importante apresentar o tema de forma clara e mostrar domínio do assunto. Divagações podem desviar a atenção da plateia do que realmente precisa ser assimilado. Por isso é necessário ensaiar bastante antes e não se deixar levar pela emoção.

  1. Tédio organizacional

Muitas vezes um assunto parece interessante, mas só para quem entende ou trabalha com ele. O mesmo vale para a história de uma empresa ou projeto. É válido considerar que as histórias podem não ser excepcionais para todos.

  1. O desempenho motivador

Chris Anderson afirma que uma das impressões mais fortes que podemos experimentar ao ouvir uma palestra é a motiva­ção. O trabalho e as palavras do palestrante nos emocionam e nos inundam com possibilidades e empolgação.  É importante lembrar que a motivação não pode ser encenada. É preciso ser verdadeiro.

testeEdição especial: a maior treta do Olimpo dos últimos tempos

Por Rachel Rimas *ImagensBlogApolo-06

Por essa o Olimpo não esperava: acabamos de ser informados de que Apolo, também conhecido como deus-sol, deus da cura, da arquearia, das vacas e de quase tudo que existe, acabou de ser despejado do Olimpo pelo próprio pai, Zeus. Sim, você leu certo! DESPEJADO. Fontes afirmam que o imbróglio foi resultado da guerra com Gaia (ver nossa edição especial “Gaia gaiata” e nossa entrevista exclusiva com Octavian), que deixou Zeus chateadíssimo com o deus-sol. E o que ele fez? Expulsou Apolinho do Olimpo, cortou o 4G divino dele e, PIOR: anulou seus poderes. NÃO! O PIOR VEM AGORA: Zeus, em toda a sua fúria, transformou o majestoso e sublime deus em MORTAL. Pelas barbas de Poseidon! Sabe toda aquela beleza, graciosidade e esbelteza? Esqueça! Apolo agora é um adolescente de dezesseis anos, com espinhas horrendas e uma pancinha de fazer inveja a Dioniso. Parece que o jogo virou, não é mesmo?

Nesta edição especial e urgentíssima, você ficará por dentro da maior treta do Olimpo dos últimos tempos, com direito a uma entrevista exclusiva com Zeus, Meg McCafrey (ninguém a conhece, mas ela é importante, acreditem) e com o próprio — o agora ex-deus — Apolo.

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O deus dos deuses aceitou nos receber em seu duplex no Monte Olimpo para uma entrevista rápida, já que ele e Hera haviam marcado uma sessão de drenagem linfática com a melhor massagista da SPArta Coiffeur.

P: Zeus, me conta: você…

Zeus: O SENHOR.

P: O senhor considera que talvez, por acaso, sua decisão tenha sido um pouco… precipitada?

Z: PRECIPITADA? COMO É QUE É?

P: É que expulsar um deus do Olimpo foi bem… ousado.

Z: BOM, EU SOU O DEUS DOS DEUSES, ACHO QUE MEU CURRÍCULO ME PERMITE SER… COMO FOI QUE VOCÊ FALOU?

P: Ousado?

Z: ISSO. OUSADO. ENFIM. MINHA JOVEM, SE VOCÊ TIVESSE UM FILHO COMO APOLO, ENTENDERIA PERFEITAMENTE MINHA DECISÃO. SABE POR QUÊ? PORQUE ESSES DEUSES DA GERAÇÃO Y SÓ QUEREM SABER DE MOLEZA. NÃO ASSUMEM A RESPONSABILIDADE POR NADA, NEM POR SEUS DESCENDENTES, ORA VEJA. ACHAM QUE SÃO UM FLOQUINHO DE ICOR ESPECIAL. SÓ QUEREM FICAR POR AÍ TOCANDO HARPA, COMENDO AMBROSIA, TRAÇANDO DESTINOS CRUÉIS PARA MORTAIS DESAVISADOS, ESTOURANDO O PLANO DE DADOS COM FACEBOOK, INSTAGRAM…

P: Snapchat…

Z: SNAP… NÃO, SNAPCHAT NÃO. SNAPCHAT É TUDO. AMO/SOU. INCLUSIVE, O MEU É: ZEUS.TDPODEROSO.

P: É, faz sentido. Mas o senhor não acha que Apolo merece uma segunda chance?

Z: MINHA JOVEM, SABE QUEM TEVE UMA SEGUNDA CHANCE? MEUS IRMÃOS, QUE FORAM DEVORADOS POR MEU PAI, CRONOS, NO ALMOÇO. DEVORADOS. MAS EUZINHO AQUI FUI LÁ E ACABEI COM AQUELA PALHAÇADA E SALVEI MEUS MANOS. ENFIM, APOLO ESTÁ SÓ PLANTANDO O QUE COLHEU. E OLHA QUE FUI BONZINHO. PODERIA TER DADO UM CASTIGO BEM PIOR.

P: E há uma previsão de quando Apolo poderá retornar ao Olimpo?

Z: BOM, O FUTURO A ZEUS PERTENCE.  OU SEJA, A MIM. E AGORA TENHO OUTRAS PRIORIDADES.

[Voz ao fundo: Senhor Zeus, a massagista chegou.]

Z: ENTÃO É ISSO. VOU-ME. PODE IR EMBORA AGORA, MOCINHA.

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Exatamente, caros leitores. Também nos perguntamos quem era essa tal de Meg McCaffrey na fila do néctar, mas parece que ela veio para ficar. Sabemos apenas que é uma semideusa, filha de Deméter, com ligações escusas com o pessoal de Roma. Mas por que ela está aqui? Porque agora Apolo serve a essa menina de doze anos, depois de eventos complicados envolvendo caçambas, frutas podres e trombadinhas. Por Skype, conversamos com a menina.

P: Oi, Meg. Pode nos contar um pouco mais sobre como Apolo virou seu servo? O que aconteceu?

Meg: Não aconteceu nada, pô. Que mania de ficar perguntando tudo! Só estávamos no mesmo lugar, na mesma hora. Ele caiu no lixo, estava fora de si, desnorteado, eu vi uma oportunidade ali e pronto.

P: E como está sendo a convivência?

M: Bom, fora as choradeiras dele (sério. TODO. SANTO. DIA. Hoje foi por causa do wi-fi, que não funcionava de jeito nenhum, e ele queria porque queria jogar Pokémon Go), o ego maior do que o do Kanye West e um desmaio aqui e ali, está indo tudo bem.

[Voz esganiçada ao fundo: Meeeeg, você acha que essa blusa realça meus olhos?]

P: Epa, esse foi o Apolo? Quer dizer, o Lester?  Pode chamá-lo?

M: AFF. Chega. Vou desligar. Tchau.

Nota do editor: depois de alguns xingamentos da entrevistada e de prometermos um ano de McDonald’s de graça para ela, a menina concordou em convencer Apolo/Lester a nos dar uma entrevista exclusiva.

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Em sua primeira entrevista como mortal adolescente, Apolo nos conta como tem sido sua temporada na Terra e o que está disposto a fazer para voltar ao Olimpo.

P: Apolo, como está sendo a vida humana, a tão falada mortalidade?

Apolo: Um embuste! Um verdadeiro horror!

P: Mas não tem nenhuma vantagem?

A: Querida, eu era um deus. UM DEUS. Eu só tinha que me preocupar em dirigir minha Carruagem do Sol, me bronzear, tocar meu ukulele, escrever meus haicais, amaldiçoar mortais, me apaixonar por mortais, essas coisas. Agora é espinha, é pança, é dilema existencial, ponta dupla… NÃO DÁ PARA VIVER SENDO TROUXA ASSIM.

P: Mas você até fez amigos!

A: Mas é claro que eu fiz amigos. Continuo com minha personalidade cativante e envolvente. Claro, uma bad aqui e ali, mas ainda sou Apolo, ainda que sem poderes e sem a beleza estonteante.

[Apolo começa a chorar.]

A: É muita coisa, sabe? (Chorando.) É oráculo que não funciona, é semideus perdido, é gente estranha atrás de mim… Eu só queria comer minha uvinha sem caroço e ver Gilmore Girls! (Agora aos prantos.)

[Cinco minutos depois.]

A: Ok, estou melhor agora.  Enfim, minha querida, não está sendo fácil. Mas resolvi tirar algo bom disso tudo. Já estou trabalhando em meu livro, uma história de superação em cinco volumes com caderno de fotos e uma seção de haicais motivacionais. Pensei em algo como As provações de Apolo, mas ainda estou vendo isso.

[Meg sussurra algo no ouvido dele.]

A: Bem, fui informado de que um tal de Rick Riordan está escrevendo uma série de livros com esse título e que o segundo volume será lançado em maio de 2017. Como ele ousa? AFF. Vou mandar meus advogados entrarem em contato com esse senhor. Bom, querida, eu tenho mais o que fazer, tipo, SALVAR O MUNDO DE FORÇAS MALIGNAS. Então você me dá licença, ok? Beijos de luz divina.

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E essa foi nossa edição especial sobre os deuses e suas tretas. Quer mais? Percy Jackson e os deuses gregos, o GRANDE LIVRO DAS TRETAS, já está disponível nas melhores livrarias do Olimpo.

 

* Rachel Rimas é editora assistente do setor de ficção jovem da Intrínseca e é uma voyeur nata de tretas, ainda mais se envolverem deuses do Olimpo, rivalidades homéricas e algum chororô.