
Guillermo Del Toro (Fonte: Hollywood Reporter)
Quando alguém nos pergunta sobre algum filme ou livro, geralmente fazemos um resuminho rápido para explicar a história: Percy Jackson e os olimpianos é sobre um adolescente que descobre ser filho de um deus grego; Um dia é sobre o amor de duas pessoas ao longo dos anos; em Círculo de fogo, robôs gigantes agridem alienígenas gigantes indefesos, e assim por diante.
Quando o original do livro de Guillermo del Toro veio parar em nossas mãos, a sinopse que recebemos foi a já clássica “é a história de uma faxineira muda que se apaixona por um homem-peixe”. Só que o livro — e o filme — são muito mais do que isso. Ao terminarmos a leitura, vimos que A forma da água não se tratava apenas de uma história sobre um homem-peixe, e sim sobre monstros — daqueles que não servem apenas para assustar.
Para Del Toro, os monstros representam um refúgio. Quando criança, ele era apaixonado por histórias clássicas do gênero: Drácula, Frankenstein, O Monstro da Lagoa Negra. Era para o mundo de personagens tão peculiares que ele fugia quando se sentia perdido. Não por acaso, em seu discurso no Globo de Ouro, foram eles os primeiros a serem agradecidos.
Esse relacionamento iniciado na infância acompanharia o cineasta por sua carreira de mais de 25 anos. Em seu primeiro filme, A Espinha do Diabo, ele usa situações macabras e seres bizarros para abordar diferentes aspectos da humanidade. Dos horrores da Guerra Civil espanhola a uma analogia para adoção em Hellboy, nenhum tema passou incólume pelas perturbações de Del Toro.
Por isso, é fantástico ver sua consagração em A forma da água. No filme e no livro, os monstros são os protagonistas — e não apenas os de carne e osso, mas os que habitam todos nós. Todos os personagens — inclusive o próprio homem-peixe — têm dilemas, conflitos e ambiguidades. Até mesmo a mente do vilão é bem explorada (principalmente no livro), e, ainda que não concordemos com suas opiniões e atitudes, conseguimos entender o que o levou até ali.
Situar o romance em plena Guerra Fria não foi uma decisão apenas estética. Durante o conflito não declarado entre Estados Unidos e União Soviética, era muito comum a presença de espiões infiltrados em ambos os lados. O monstro poderia estar ao seu lado, e você só saberia quando já fosse tarde demais.
Com maestria, Del Toro e Daniel Kraus acrescentaram a esse clima de tensão temas como racismo, homofobia e machismo, e é nesse cenário de incertezas que floresce a história de amor entre Elisa e a criatura da selva. E foi essa originalidade que rendeu ao filme tantos prêmios.
A forma da água transcende qualquer resumo ou simplificação. A história de Elisa e do homem-anfíbio é um conto de fadas sobre aceitar as diferenças e reconhecer que há monstros dentro de todos nós, e que talvez eles não sejam tão assustadores assim.
P.S. Circulo de Fogo continua sendo só um filme sobre robôs batendo em alienígenas mesmo, mas vida que segue.
Para mim Circulo de Fogo é bem mais do que robôs batendo em alienígenas.. Ele fala mais sobre a questão da conexão entre pessoas…