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Sobreviver para contar 

31 / julho / 2023

Arte da fuga é um relato sobre o poder da resiliência humana — e sobre os perigos da recusa em enxergar a realidade

Por Vanessa Corrêa*

David Dushman, último homem vivo entre os soldados que libertaram os detentos do campo de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial, morreu em junho de 2023, aos 98 anos. Entre os prisioneiros encontrados por Dushman e outros soldados soviéticos em 27 de janeiro de 1945, restam cada vez menos sobreviventes — pessoas que na época eram apenas crianças ou adolescentes e hoje em dia estão em sua nona ou até décima década de vida. 

Em alguns anos, não haverá mais pessoas vivas que passaram pelo horror dos campos de concentração nazistas. Quando isso acontecer, só permanecerão os relatos póstumos das vítimas, histórias que documentam um dos episódios mais sombrios da humanidade e que tornaram nomes como Anne Frank, Elie Wiesel e Primo Levi conhecidos em todo o mundo. 

Para o jornalista e escritor Jonathan Freedland, há um outro nome que, nas palavras dele, deveria estar “no primeiro escalão das histórias que definem a Shoá — o Holocausto”: Rudolf Vrba, cuja trajetória é narrada por Freedland em Arte da fuga

Nascido na Eslováquia com o nome de Walter Rosenberg, Rudolf Vrba assumiu sua falsa identidade após realizar um feito que pouquíssimos judeus conseguiram: escapar de Auschwitz e viver para contar a história. De família judia, foi deportado em 1942, aos 17 anos de idade, e passaria dois anos no campo de concentração até conseguir fugir com o amigo Alfred Wetzler, com o firme propósito de divulgar ao mundo o massacre de judeus arquitetado pelos alemães. 

Se hoje a maioria das pessoas não duvida dos horrores cometidos pelos nazistas nos campos de concentração, na época essas informações eram difíceis de serem obtidas. Hoje, quase oitenta anos depois da liberação de Auschwitz, quando as atrocidades nazistas já foram mostradas em inúmeras reportagens e documentários e recriadas em filmes e peças de teatro, pode parecer óbvio o que acontecia nesses lugares. Mas para o então adolescente foi uma descoberta difícil de ser digerida. 

O livro conta não só a vida de Rudolf Vrba, mas a história do campo de concentração que se converteu em um dos principais símbolos do Holocausto. Forçado a trabalhar em uma grande variedade de tarefas, o prisioneiro adquiriu o que Freedland chama de “um conhecimento abrangente do funcionamento de Auschwitz”. Em sua passagem pelo local, aprendeu como o campo foi usado para fortalecer a economia alemã — primeiro por meio do trabalho forçado dos prisioneiros e, quando as deportações se intensificaram, do roubo dos pertences levados pelos judeus para o que imaginavam ser o início de uma nova vida em assentamentos. 

Em seu trabalho mais difícil nos dois anos em que ficou preso em Auschwitz, Vrba testemunhou a chegada de dezenas de milhares de judeus vindos de toda a Europa para morrer nas câmaras de gás do campo de concentração. Profundamente abalado pelo que via, o adolescente tomou uma decisão: “Se tinha que ser um espectador daquela exibição de horror, então faria de si mesmo uma testemunha. Seria um repórter.” Mais do que uma tentativa de sobrevivência, a ideia da fuga se transformou no único meio de cumprir a resolução de divulgar a existência da máquina de extermínio construída em Auschwitz. 

Vrba tinha a esperança de que, se a notícia das mortes se espalhasse, os judeus remanescentes começariam a resistir à deportação, os países que lutavam contra a Alemanha iriam intervir e os nazistas poderiam ser detidos, o que salvaria centenas de milhares de vidas. No entanto, até o fim da guerra, cerca de 1,1 milhão de pessoas foram mortas em Auschwitz, a maioria judeus.

Além disso, Arte da fuga é também um livro sobre como a mente humana é capaz de se enganar quando confrontada por fatos que parecem aterrorizantes demais para ser verdade. Todas as informações relatadas por Vrba e Wetzler não foram suficientes para fazer com que autoridades em diversos países tomassem providências para deter o massacre de judeus em Auschwitz. Ao longo de toda a sua vida, Rudolf Vrba lamentaria a quantidade de vidas que poderiam ter sido salvas se sua denúncia tivesse sido levada a sério desde o início.  

Nem mesmo os alvos da fábrica de mortes arquitetada em Auschwitz pareciam dispostos a ouvir os fugitivos. O livro mostra como muitos judeus se recusaram a acreditar que não tinham um futuro pela frente após a deportação e continuaram embarcando sem resistência nos trens rumo ao campo polonês. 

Em uma nota em que conta como descobriu a existência de Rudolf Vrba, Jonathan Freedland indica que essa recusa em encarar a realidade continua ameaçando a humanidade. O autor conta que, em 2016, alguns anos antes da publicação do livro e três décadas depois de conhecer a história de Vrba, ele se viu pensando no jovem judeu que escapou de Auschwitz. “Estávamos vivendo a era da pós-verdade e das fake news, […] e mais uma vez pensei no homem que estivera disposto a arriscar tudo para que o mundo pudesse saber a terrível verdade escondida sob uma montanha de mentiras.”

*Vanessa Corrêa é jornalista e redatora, apaixonada por livros, cinema e fotografia. 

Comentários

5 Respostas para “Sobreviver para contar 

  1. Excelente…..nesse exato momento precisamos de alguns Rudolfss na sociedade Brasil que faça as mentes despertarem e reagirem a ameaça socialista das americas….onde o sistema brasileiro totalmente aparelhado , colocou o maior bandido político da história mundial, tirando da cadeia ao maior cargo da Nação…..Esse sistema está fazendo de tudo para um controle absoluto…

  2. Excelente…..nesse exato momento precisamos de alguns Rudolfss na sociedade Brasileira que faça as mentes despertarem e reagirem a ameaça socialista das americas….onde o sistema brasileiro totalmente aparelhado , colocou o maior bandido político da história mundial, tirando da cadeia ao maior cargo da Nação…..Esse sistema está fazendo de tudo para um controle absoluto…

  3. Aprendi com meu pai,na infância, a amar e a respeitar o povo judeu!especialmente através de livros e também pela Bíblia protestante.

  4. Nós enquanto seres ditos humanos de todas nacionalidades,parece que temos Mêdo de encarar as verdades escondidas de uma guerra que só trouxe sofrimento de perdas que até hoje ecoam nos coraçoēs e consciência daqueles que tem descendência Judia!Não adianta termos cientistas em suas diversas areas,mas por carregar dentro de si uma descendência é até os dias de hoje julgados como povos miseráveis e arrogantes!Antes de falar pesquise,vá atrás da verdadeira história real!

  5. Assisti hoje o Filme da Netflix o protocolo de Auschwitz .Exatamente esta história. Incrível como era difícil aceitar que era real

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