Das maravilhas compartilhadas

Por Leticia Wierzchowski

23 / janeiro / 2015

Macondo ©2011-2015 Monkey-Mafia
Macondo ©2011-2015 Monkey-Mafia

 

Quando eu tinha treze anos, numa chuvosa sexta-feira, retirei da biblioteca do meu clube um livro grosso, bonito, e rumei eufórica para casa, cruzando a praça e as ruazinhas do meu bairro com a intuição de que tinha escolhido muito bem a minha próxima leitura. Preciso dizer aqui que no tempo da minha adolescência eu retirava livros em bibliotecas — tínhamos uma vida superconfortável, mas não íamos a livrarias com frequência, e a maior parte dos livros que li até a vida adulta vieram de bibliotecas (e que delícia era, ainda lembro, singrar aqueles corredores silenciosos, escolhendo, bisbilhotando, planejando leituras, e depois assinar o grosso livro das retiradas que a bibliotecária me alcançava com um sorriso…).

Meus pais não eram ávidos leitores, e eu não sabia que levava para a casa um romance que tinha marcado a literatura latino-americana como poucos — o livro era Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez. E assim, totalmente desavisada, mergulhei nas aventuras da família Buendía e na vida da pequena Macondo. Naquele final de semana, choveu em Porto Alegre tal e qual na ficção de Gabo, mas eu nem me importei — passei dois dias inteiros entre aquelas páginas, abismada, fascinada e cheia de uma pungente emoção, navegando em puro deslumbre pelos parágrafos do romance. No domingo, exausta e feliz, acho que decidi que queria, eu também, escrever um livro. Não dormi direito por uns dois dias pensando em Úrsula e em todos os seus descendentes tão doidos e encantadores. Na segunda-feira, devolvi o livro com grande pesar — muito embora os Buendía tenham permanecido dentro de mim para sempre.

Neste último Natal, dei para o meu filho João, de treze anos, o mesmo livro. Em um pequeno ritual particular, empacotei com bastante zelo um novíssimo exemplar de Cem anos de solidão, coloquei-o sob o pinheiro e deixei a coisa simplesmente acontecer — meu filho é um bom leitor, e confiei que o livro exerceria sobre ele o seu feitiço. Bem, meu filho varou tardes em Macondo, esquecendo-se do mundo enquanto passeava pela prosa de Gabo com um sorriso no rosto, um sorriso que me fez lembrar de mim mesma há muitos anos, em outro sofá, em outra sala perdida no tempo, ambos igualmente reféns do mesmo indefinível encanto que é adentrar as páginas de um romance genial.

 

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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Comentários

Uma resposta para “Das maravilhas compartilhadas

  1. Aos 12 anos tinha a mesma sensação na Biblioteca Municipal da minha cidade. Realmente é indescritível. Procurarei pelo livro, fiquei super curiosa.

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