(((parte 1)))
Minhas mãos não são de ferro, mas elas também enferrujam. Por falta de uso, por excesso de pensamento, elas enferrujam. Por escassez de vontade, por overdose de ansiedade, elas enferrujam. Por ausência de prática, por fartura de fratura… Elas também enferrujam. Em dias bem iluminados, é possível ver pequenos grãos semearem a terra alva da página ainda inexplorada. São pigmentos que escapam da superfície dos dedos e alvejam, sem dó, o vazio visível de um futuro poema. Como se o poeta precisasse se decompor aos poucos para compor seus versos infinitos.
A queda do fino pó alaranjado deixa claro que essas mãos estão há muito tempo silenciadas. Sem disciplina, as mãos se encolhem. Sem uso, as mãos nada colhem. Elas se deterioram gradativamente. E fica cada vez mais difícil o mecanismo — o gesto da criação — voltar a funcionar na sua plena normalidade. Há um desgaste natural, quase imperceptível. Dizem que, quando guardamos por um longo período algumas palavras dentro de nós, elas oxidam. Por isso, é preciso dar voz à escrita e dizer para não enferrujar e gritar para não se desintegrar e se expor para não quebrar de vez.
Em noites nubladas, é possível sentir cascas caírem da mão direita. Às vezes, acho que criei cascatas nas pontas dos dedos. O que não sai pela voz escapa pela foz dessa pele calejada de tanto calar-se. Eu me desfaço nessa ferrugem feita de erro, de medo, de Pedro. Tenho a sensação de carregar meus silêncios na extremidade dos braços e de ter esquecido minhas mãos adormecidas no fundo de uma gaveta qualquer. Elas sonham?
(((continua na próxima semana)))
Amei!!!
So vim aqui porque ouvi que era Antonio.
Sensivel como sempre. Me identifico com os ferrugens.
Obgda
Adorei!